1 de out. de 2007

NOSSOS MELHORES AMIGOS

Cá entre nós, é muita, mas muita arrogância qualquer dono de cachorro sequer imaginar que o amor e a lealdade superam os instintos de um cão.

Ultimamente pululam na mídia notícias sobre ataques e mordidas. Em muitos casos letais. Isso não causa espanto: ataques caninos a humanos são tão antigos quanto a relação entre as duas espécies. O que sempre me assombra é a reação dos donos: "Oh, mas ele sempre foi tão mansinho, nunca atacou ninguém!".

Sabe o que me faz ferver o sangue? Quando vejo alguém com o cachorro solto - e não importa se é um poodle ou um rotweiller -, correndo esbaforido pra mãe horrorizada com a criança no colo e se ensinando: "Ele não morde!"

Mentira!!! Todo o cão morde, é sua natureza.

Eu tenho cachorro. Sempre tive, e acho difícil encontrar neste mundo pessoa que mais os adore do que eu. Cresci no meio de um bando de cachorros de várias raças. Meu pai já tinha a "mágica": não raro levou sermão dos guardas na praia por causa do bando de cachorros que o seguia pelas ruas. Detalhe: nenhum era dele, eram cães de rua que movidos por algums misterioso instinto nele reconheciam um amigo e protetor.

Mas uma coisa é amar os cães. Humanizá-los, atribuindo sentimentos e capacidade racional; isso sim é ser irracional. Pior: é não amar o cão, porque amor vem do entendimento, de compreender e aceitar o outro como tal e não um reflexo de si mesmo.

Não digo com isso que não haja por aí uma legião de cães absolutamente dóceis, adoravelmente simpáticos e abertos à presença de estranhos.

Quando tinha oito ou nove anos, andei de cavalo no lombo de um dinamarquês. Quase matei o dono de susto, mas o cão não me atacou. De outra feita, ainda mais cedo, acho que com cinco ou seis anos, invadi o quintal de uma casa enorme pra brincar nos balanços. Dois dobbermans me cercaram para horros de minha irmã. Não fui atacada, e isso que estava no território deles.

Quem me mordeu foi o nosso boxer brincalhão que não dava conta de uma mosca.

Quem mordeu meu filho duas vezes foi o labrador abobalhado que perambulava pelo fundo do páteo da casa de meus pais. Tão bobalhão era o bicho, que eu chamava de "Udo Banana"!

Amar um cão é essencialmente respeitar sua natureza, entender suas motivações, ensiná-lo a conviver com seres caóticos e erráticos como nós. Porque cães têm dificuldade em lidar com o caos: eles precisam de ordem, de rotina; de causa e consequência. Regras simples e claras: "xixi no tapete, não", "a bolinha é o teu brinquedo, não os sapatos", "deixe eu me aproximar do prato quando estiver comendo"... Coisas assim: preto no branco.

Eles se esforçam, (e como!), pra assimilar o nosso caos. Pra garantir nosso amor (que na cabecinha deles se traduz em boa comida, água e um lugar seguro pra dormir), chegam mesmo a recalcar seus instintos. Mas isso de forma alguma significa que não estejam lá. Se houver motivo na perspectiva do cão, ele vai atacar. Não importa se é um pinscher ou um dogue alemão.

Isso me irrita, sabe? Essa arrogância nas ruas, nas praças; vitimando crianças e velhos: cães são carniceiros, e se atacam presas vivas escolhem as mais fracas. E também são territorialistas: qualquer local onde possam correr livres e demarcar passa a ser seu território, a ser defendido com unhas e dentes. Literalmente. A guia tem o salutar efeito psicológico de lembrar ao cão que a rua não é o seu território: seus movimentos são limitados, sua liberdade é restrita.

Se você leva o cão à praça todos os dias, e o solta deixando que corra livremente, fuçe os traseiros de quem quer que esteja passando e marque todas as árvores, pedras e cercas que encontrar, o que você está ensinando? Que a praça é território dele. Como o carniceiro territorialista que é, ele vai naturalmente defender esse território contra qualquer ameaça, sem distinção de sexo, idade ou espécie.

Cresci ouvindo de meus pais que os nossos direitos acabam quando tocam os direitos dos outros.

Mantenho meu cão na guia, e se alguém se aproxima para acariciá-lo, perguntando se morde, sou sincera: "até hoje não, mas não posso garantir". Isso basta pra que a pessoa se aproxime com cuidado, sem sobressaltar o animal.

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