9 de mar. de 2008

8 DE MARÇO



Ontem, mais uma vez, passou por nós o famigerado dia da mulher devidamente precedido e pontuado por toda a sorte de oportunismos publicitários. Porque, afinal, o dito não passa de mais uma dessas teias que o sistema espalha por aí pra nos prender nas dívidas e compromissos quando mal começamos a nos livrar das teias do natal, ano novo e férias de verão. Em seguida vem a páscoa, e, estrategicamente distribuídos pelo ano temos o dia das mães, dos pais, dos avós, das crianças, das professoras, dos avôs, amigos, secretárias e por aí vai... haja cartão de crédito!


Não preciso, nem quero esse dia. É uma infâmia, uma abominação. Como são infames e abominantes os dias do índio, do negro, e por aí vai. Dia de negro, de índio, de mulher, é todo o dia. Como todo o dia é dia de violência, discriminação e abusos de toda a sorte. Mas, cá entre nós, índios e negros pelo menos não se deixam enrolar por essa balela, nem saem por aí trocando flores, cumprimentos e cartõezinhos.


Mas, sabe como é: a mulher é a mola-mestra do consumo. Pelo menos 2/3 de tudo quanto é consumido no planeta passa pelo crivo feminino. Então dá-lhe hipocrisia.


O que as mulheres conquistaram ao longo das últimas décadas? Vejamos:


Temos o direito ao voto, que, no Brasil é mais uma obrigação, mas vá lá...


Temos o direito a estudar, a escolher uma profissão mesmo que não seja lá tão "apropriada" como lecionar ou cuidar de enfermos.


Temos o direito de morar sozinhas quando solteiras, sem precisar recorrer a algum parente próximo.


Temos o direito de dirigir! Tem até carro projetado exclusivamente para nós! Isso é realmente fantástico!


Temos o direito à segurança e conforto "naqueles dias": não precisamos mais nos esconder com nossas toalhinhas.


Temos o direito à feminilidade, o que quer que isso lá signifique... Deve ser essa coisa de peito empinado pra frente, bumbum empinado pra trás, saias curtas, decotes profundos, bronzeamento artificial, maquiagem exuberante e saltos tão altos quanto a conta do ortopedista.


Temos o direito de acesso a uma parafernália de químicos e fármacos cujos efeitos colaterais nunca foram devidamente estudados. Mas, quem se importa? Temos o direito a toda a sorte de químicos e fármacos pra combater esses efeitos colaterais.


Temos o direito à nossa própria sexualidade: podemos transar com quem bem entendermos e ninguém tem nada a ver com isso, nem o sujeito em questão. Se pintar uma gravidez... Bem, o direito à maternidade sempre nos foi assegurado, não? E hoje em dia mulher alguma é pária por criar um filho sozinha. Pelo contrário: de excessão está passando a regra aqui no Brasil.


Aliás, falando em sexualidade, temos o direito à sexualidade precoce: agora podemos transar aos 14 ou até menos, coisa que há 30 anos atrás era impensável!


Ah, ainda na sexualidade: temos também o direito de namorar garotões sarados mesmo depois dos 40... Admirável mundo novo, não?


Temos também ainda o direito de nos tatuar e nos cobrir de piercings mesmo depois dos 40.


Também temos o direito de seguir a moda como um rebanho fiel - e quem se importa com quadris largos e coxas avantajadas quando a moda dita calças balonée com meias-calça pink por baixo? O que é moda não incomoda, já dizia a minha avó.


Temos o direito a uma carreira na profissão escolhida, com o bônus de recebermos mais ou menos 3/4 do salário dos nossos colegas de trabalho, às vezes trabalhando duas, três vezes mais.


Ah, sim! Temos direito à licença-maternidade de três meses! Caso trabalhemos na iniciativa privada, ainda temos direito ao bônus da demissão sumária no regresso.


Temos o direito de delegar a criação de nossos filhos a terceiros, porque ainda não temos o direito à escola de turno integral, ou, melhor, a empregos de jornada reduzida para que não precisemos delegar a continuidade dessa educação à Globo ou ao Cartoon Network.


Temos todo o direito à jornada dupla, tripla, quádrupla e por aí vai... A imaginação é o limite.


Mas, enfim, quem sou eu pra jogar água fria em tanta comemoração? Continuemos trocando flores e cartõezinhos. Quem sabe um dia o 8 de março realmente venha a significar alguma coisa de relevante.

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