29 de mai. de 2009

A BOLA DA VEZ



Depois que o mundo "livre" enterrou a ameaça comunista - lembra que podia ter um até dentro da sua geladeira? -, é a vez dos fumantes - YUK! - essa gente porca e nojenta que além de imundiciar os próprios pulmões ainda tem a audácia de imundiciar os pulmões alheios.

A cruzada já fora antecipada por Hollywood no início da década de noventa naquela antológica cena de um filme de ficção sobre um tira que acorda num futuro distante. A certa altura, num espaçoporto o cara acende um cigarro. Imediatamente toca o alarme e é o maior tandéu. Deus nos acuda: fumar é crime no futuro.

Bem, não estamos muito longe disso.

Não sou nenhuma expert - alguém pode dizer que não sou sequer esperta por ser fumante confessa -, mas já parou pra pensar que todos os produtos que as pessoas usam diariamente e que os primos-ricos do primeiro mundo precisam comprar de nós, os manés, já passaram pela mesma condenação?

Não?

Então vejamos: na década de 70, condenaram o café. Em seguida, veio o ovo e na carona, o açúcar e a carne vermelha, o azeite (à excessão do óleo de soja, menina dos olhos da década de 80 com todos os seus derivados inclusive a horrorosa margarina que, de quebra, veio pra desbancar a manteiga); ao mesmo tempo que taxavam como "saudáveis" os grãos e cereais que costumam produzir em abundância (particularmente os EUA com seus imensos milharais, campos de cevada e aveia. Coincidentemente, foi naquele período que a Kellogg's teve um boom de expansão e se instalou por aqui).

Lembro que a coisa chegou ao ponto de se dizer que sucrilhos era mais saudável que ovo cozido pro café da manhã (ainda ontem li que de acordo com pesquisas recentes, o melhor alimento pro cérebro é justamente o ovo, os cientistas inclusive recomendam que se coma uma omelete por dia); e nós, manés, como sempre imitando: banimos o ovo não só o ovo cozido ou frito, mas também a maionese, que combina o ovo com o azeite de oliva - outro produto que os primos-ricos precisam comprar porque nao têm.

Todas essas campanhas - que em tempo se provaram cientificamente infundadas -, tiveram impacto direto em nossa economia. Nós, os manés, que achamos que eles é que estão sempre certos - afinal, rico não pode estar errado, pode? Perdemos bilhões ao longo das últimas décadas, bloqueando qualquer iniciativa da agricultura de pequeno porte que não fosse a plantação de batatas (e olha que as batatas também vivem entrando e saindo da lista ao sabor da flutuação das bolsas) e hortifrutigrangeiros, que remuneram mal e porcamente, à excessão desses transgênicos produzidos em massa e que não têm gosto de nada, muito menos de fruta.

De fato, à excessão das megaplantações do centro-oeste (verdadeiros mares verdes de soja, mas soja é bom, porque é barata e o gado que os primos-ricos criam pra conseguir isenção de impostos come o farelo); nossa agroindústria comeu o pão que o diabo amassou até mais ou menos a entrada deste 3º milênio, quando finalmente os governos começaram a acenar com algum tipo de fomento e investiram mais na reforma agrária.

E ainda assim, em grande parte os incentivos se dirigiram para as indústrias mais poderosas e organizadas da soja, arroz, café e cana, coincidentemente concentradas no centro e sudeste do país.

A indústria do tabaco se concentra aqui no Sul (RS, SC e PR respondem por 95% da produção nacional) e emprega 200 mil produtores de pequeno e médio porte. Essa turminha aí, banida do Pronaf, faz do Brasil o 1º produtor e o 2º maior exportador de tabaco do mundo. E estou falando em tabaco de qualidade, não os mata-ratos que se vê por aí.

Mas, ah... fumar dá câncer de pulmão!

Ah, é? E a descarga dos carros, ônibus e caminhões não?

Saiba que morar ou trabalhar a menos de 200 metros de qualquer avenida movimentada expõe você ao mesmo risco que fumar mais de um maço de cigarros por dia. Os cemitérios estão cheios de gente que nunca botou um cigarro na boca e ainda assim morreu de câncer no pulmão.

Ah, mas fumar também dá câncer de estômago.

Viver estressado e se alimentar mal também.

Fumar causa câncer de laringe.

Falar muito e alto também - que o digam os professores, particularmente os do ensino médio que precisam passar a matéria aos gritos.

Viver dá câncer.

Nem os médicos sabem com certeza o que causa o quê. Tudo que se tem a afirmar até o momento é que á uma correlação entre o fumo e a incidência de câncer.

Há uma correlação também entre a depressão e o câncer, entre o stress e o câncer; entre a solidão e o câncer, entre o sedentarismo e o câncer.

Não estou aconselhando ninguém a fumar. Apesar de ser fumante, se pegasse um dos meus filhos com um cigarro na boca ia rodar a baiana.

O que eu critico é essa histeria coletiva, essa doença de rebanho que a sociedade tem, o excesso de neurônios-espelho que andam à solta por aí. Levantei esse assunto porque estou começando a me irritar com a rádio repetindo a cada 10 ou 15 minutos um libelo contra os malefícios do tabaco, e de como ele leva às outras drogas, que ele é a causa de toda a sorte de doenças físicas e emocionais.

A hipérbole de hoje sustenta que o tabaco causa depressão e stress. Mentira! O que causa depressão e stress nas pessoas é a doença do consumismo, mas a cura pra essa doença não interessa ao Estado e muito menos ao mercado, porque afinal, quanto mais endividados e temerosos de perder nossos empregos e posses, mais propensos nos tornamos a abrir mão das liberdades individuais e nos fundir nessa massa amorfa que vota, paga imposto, vive gradeada, isolada e empoleirada em arranha-céus, vendo o mundo pela tevê e limitando suas saídas ao trabalho e aos shopping-centers - e isso é bom pra qualquer Estado e, de quebra, pro (mal)dito mercado, já que como não andamos pelas ruas, ignoramos a existência da diversidade do comércio de calçada e concentramos nossas compras em coisas produzidas, anunciadas e vendidas maçiçamente. Somos diariamente ludibriados, desperdiçando nosso suado dinheirinho nos 100, 200% a mais que eles cobram só por serem "marcas".

É muito mais fácil seguir a onda e odiar o fumante arrogante que anda poluindo o seu ambiente por aí do que assumir a responsabilidade de ser um indivíduo.

Além disso, fumar, que já foi o fino da bossa no pós-guerra, saiu de moda. É careta. A moda é cuidar do corpo, malhar, correr, comer coisas saudáveis (seja lá o que for que a mídia da moda, sustentada pela indústria da moda disser que é o "saudável" do momento).

Será que a essa altura você ainda não desconfiou que a sociedade global está estendendo um tapete vermelho com brocados de ouro para o totalitarismo?

Não aquele totalitarismo cara-amarrada, tipo Stálin ou Coréia do Norte. É o totalitarismo gente-boa do marketing corporativo sempre atento às suas (leia-se deles) necessidades; o totalitarismo à Colgate que deixa seus dentes mais brancos e seu sorriso mais brilhante e caça você em casa, nos finais de semana oferecendo crédito ilimitado sem taxas anuais e ainda de quebra lembra que o carro que você ainda vai pagar por 5 anos não é mais o modelo do ano, que o apartamento que você ainda vai pagar por uns 20 anos não é aquela cobertura na Gávea, que seu corpo não é o modelo de perfeição e requer um extreme makeover que vai custar aí mais uns dois ou três anos de prestações.

É o mesmo marketing que aconselha amigavelmente que você se dedique de corpo e alma, 24 horas por dia à carreira, que seja proativo a invista no seu marketing pessoal e que seja um empreendedor, mesmo que seja pra ser professor. Ah, a invista em cursos, especializações e seminários, afinal o ensino é outro ramo altamente rentável do mercado - ou de onde será que veio a grana pra PUC aqui de POA dar o pontapé inicial na instalação de um aeromóvel pra ir do salão de atos até o hospital São Lucas?

Mas você não vê nada disso, certo? (Aconselho a essa altura que assista ao filme THX 1138, que em 1971 anteviu num clima apocalíptico o fim dessa estrada. É de longe a melhor coisa que o George Lucas já fez.)

Mas, voltando ao assunto, claro que não. Você está ocupado demais tentando equilibrar o orçamento, conseguir aquela promoção e trocar de carro ainda antes das férias de verão.

E se já tirou essa parte de letra, a mídia está aí pra lembrar que você também precisa investir (pesado) no corpo, na beleza, na saúde (aliás, tem até revista chique mostrando como os socialites fazem pra se manterem bonitos e saudáveis, vi outro dia no dentista) e... veja só, que coincidência: praticamente todas as megaempresas globais dos primos-ricos têm ramificações e pesados investimentos nesses setores.

Mas que coisa, né? E você só queria ter aquele bum-bum arrebitadinho, aquela barriguinha chata e se livrar daqueles pés de galinha, pra chegar nos 50 com o corpaço sarado da Madonna.

Mas é chique, né? Encontrar as amigas todas correndo no Parcão de manhã cedo com a garrafinha de água a tiracolo e o I-Pod berrando um bate-estacas - o quanto se poluiu o ambiente pra produzir aquela garrafinha pet azul tão charmosa não conta, nem quantas criancinhas lá nos confins do mundo foram escravizadas pra confeccionar o tênis Nike importado.

Vamos acordar o senso crítico, gente!

Estão nos vendendo gato por lebre e isso já vem há décadas, é planejado, programado e executado de forma consistente e sistemática.

Se continuar assim, vamos acabar como os personagens do filme, sonambulando entre o trabalho e o descanso, com câmeras instaladas pelo Estado em nossos armários de remédios pra supervisionar nossa dose diária de antidepressivos, ansiolíticos e contraceptivos.

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