22 de nov. de 2012

A LISTA DE MENDES




Mendes nasceu Aristides. Mais precisamente, Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, em Cabanas de Viriato, Distrito de Viseu, Portugal.

Por parte de mãe, era bisneto por bastardia do 2º Visconde de Midões e descendente do 2º Conde de Avranches. Por parte do pai, o lado Sousa da família, era de origem judaica, descendente de Madragana Ben-Bekar, uma linhagem que remete direto, sem escalas, ao Rei Davi de Israel. Além disso,  de Madragana sabe-se ter tido filhos com El-Rei D. Afonso III, mas isso é outra história, pois não consta que Aristides provenha desse ramo da família.

Aristides nasceu com um irmão gêmeo idêntico de nome César. Muito unidos, os irmãos cursaram Direito em Coimbra e seguiram a carreira diplomática.

Aos 24 anos, contraiu núpcias com Angelina Amaral de Abranches, prima em segundo grau e no ano  seguinte, 1910, é nomeado para o consulado de Demerara, na Guiana Britânica. Entre 1911 e 1926, foi cônsul portugues em Zanzibar (Tanzânia), Curitiba, São Francisco (EUA) e São Luís do Maranhão (alternando com Porto Alegre). Em 1926 assume a Direção Geral dos Assuntos Comerciais e Diplomáticos em Lisboa. Segue-se a revolução e ele é demitido por ser monarquista. Reintegrado em 1927, segue para Vigo, na Espanha. Em 1929 é nomeado para a Antuérpia, com acreditação para Luxemburgo. Fixa residência em Leuven, na Bélgica.

Nesse período, uma tragédia familiar, mais precisamente no ano de 1934: primeiro o segundo filho mais velho morre logo após a colação de grau na Escola Diplomática. Seis meses depois, a menina mais jovem morre aos 17 meses.

Em 1938, o presidente António de Oliveira Salazar o nomeia para o consulado de Bordeaux, na França, com jurisdição sobre os sub-consulados de Bayonne e Hendaye.

Em 1939, como se sabe, a Alemanha invade a Polônia. Inglaterra e França declaram guerra ao regime nazista. Vendo a guerra aproximar-se, Aristides envia os filhos menores de volta para Portugal.

Nesse mesmo ano, em novembro, o ditador António de Oliveira Salzar emite a Circular 14, que determina entre outras coisas que os cônsules de carreira não poderão conceder vistos consulares sem prévia consulta ao Ministério aos estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos portadores de passaportes Nansen e aos russos; (...) àqueles que apresentem nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm; aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou daqueles de onde provêm.

Por que o faz?

Toda a guerra provoca uma onda de impacto que empurra populações afetadas em correntes migratórias para todas as direções possíveis. Com a Alemanha e a Áustria no centro da Europa, tendo a leste a Rússia de Stálin, as rotas de fuga apontavam para o Oeste. O avanço nazista nunca pretendeu ser meramente um movimento de ocupação. Seu objetivo era o extermínio sistemático, a erradicação de toda e qualquer etnia ou grupo que não se encaixasse perfeitamente no modelo ideal de uma raça "puramente ariana". Era portanto imperativo aos nazistas bloquear essas correntes, preferencialmente em currais onde o extermínio fosse mais eficaz.

Da Espanha, o "generalissimo" Franco, que recebera apoio dos nazistas durante a Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939, responde prontamente proibindo a emissão de vistos para refugiados ao mesmo tempo que hipocritamente adotava uma posição de neutralidade no conflito.

Sabendo da delicada posição diplomática de Portugal, cujo presidente e também ditador Salazar ao mesmo tempo que simpatizava com o regime nazista adotara uma posição de neutralidade por força da mais antiga aliança diplomática de que se tem registro na História, o Tratado de Windsor, datado de 1373 e renovado em 1642 e 1703; e muito provavelmente buscando colocar os lusos numa posição de fragilidade perante os nazistas, o que lhe facilitaria a assimilação do território português num possível futuro III Reich; Franco permitia a passagem de refugiados por seu território, se portadores de um visto português.

Restava a Portugal agradar a gregos e troianos ou, mais provavelmente, desagradar a todos.

Findo o rigoroso inverno de 1939-40, os alemães retomam a ofensiva, ocupando Holanda, Bélgica e Luxemburgo em maio. Em junho chegam a Paris. Pétain estabelece um governo da resistência em Vichy, seguido por centenas de milhares de refugiados franceses e de várias nacionalidades que haviam fugido para a França. O avanço das tropas nazistas os empurra para mais adiante, para Bordeaux.

E é justamente em Bordeaux que se encontra Aristides, num prédio praticamente sitiado por refugiados implorando por um visto português. A cada audiência, em obediência à Circular 14, Aristides envia um telegrama para Lisboa. Mas nunca recebe uma resposta: o governo português está visivelmente ganhando tempo, contando com a chegada dos nazistas para que o "problema" seja arrancado de suas mãos.

É quando Aristides perde a paciência. Judeu marrano, o descendente de Madragana Ben-Bekar, aquela que teve filhos com El-Rei D. Afonso III vai à janela do consulado e anuncia em alto e bom som:

"A partir de agora, darei vistos a toda a gente: já não há nacionalidades, raça ou religião".

Nos dias que se seguem, o consulado trabalha das oito da manhã até as três da madrugada expedindo vistos. Quando acabam os formulários, Aristides passa a usar folhas de papel em branco onde carimba o selo do governo português.

Os nazistas continuam seu avanço, forçando Aristides a relocar-se primeiro em Bayonne, e finalmente em Hendaye já na fronteira com a Espanha. Tendo esgotado os formulários nas três sedes sob sua jurisdição, Aristides passou a escrever de próprio punho:

O Governo Português pede ao Governo Espanhol que autorize o portador do presente visto a atravessar livremente o território espanhol. Esta pessoa é uma refugiada do teatro de operações europeu em trânsito para Portugal.

Chamado de volta a Portugal por emissão excessiva de vistos, Aristides cruzou a fronteira liderando uma épica caravana de refugiados, muitos dos quais acabaram abrigados na propriedade da família, em Viseu.

Julgado em Lisboa, foi condenado por ter

(...) desonrado Portugal perante as autoridades espanholas e as forças alemãs de ocupação (...) e por ter ousado colocar os seus próprios imperativos de consciência à frente das suas obrigações de funcionário.

Aristides morreu pobre e desonrado num hospital de caridade da Ordem Terceira de Lisboa. Sua mortalha foi um hábito de burel dos franciscanos.

Em 14 de outubro de 1967, a Yad Vashem, organização israelita para a recordação dos mártires e heróis do Holocausto homenageia Aristides com a sua mais alta distinção: a medalha de ouro dos Justos das Nações, onde se lê a inscrição do Talmude "Quem salva uma vida humana é como se salvasse um mundo inteiro.

A censura salazarista impede que a notícia seja divulgada em solo português. O nome de Aristides só virá a ser mencionado na imprensa daquele país depois da Revolução dos Cravos. Sua história chegou aos cinemas em 2011 com o filme "O Conde de Bordéus", um drama luso-israelense.

Não há como precisar quantas pessoas Aristides teria salvado. O que se sabe por certo é que foram esgotados todos os formulários de que dispunham o consulado portugues em Bordeaux, e os sub-consulados de Bayonne e Hendaye.

Sabe-se que entre janeiro e junho de 1940, o consulado de Bordeaux emitiu 1.674 vistos - isto é o que está documentado no livro de contabilidade do consulado.

Como bem lembrado pelo Rabino Kruger, um dos refugiados salvos por Aristides, esses vistos não eram individuais, mas familiares, abrangendo grupos de até 20 pessoas.

Agora você faça as contas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário