Leio numa dessa notinhas pequenas que o Brasil é detentor de mais um título mundial, o de maior consumidor de gravatas.
Isso mesmo, gra-va-tas.
Podemos ser pífios consumidores de livros e cultura, mas somos ávidos no consumo de carros, bugigangas, quinquilharias... e gravatas - esse adereço tão supérfluo que chega a ser patético e que serve, quando muito, só pra esconder os botões da camisa.
Há quem diga que a gravata foi inventada pra substituir o cachecol, na fria e úmida Londres do século XIX.
Mas, como sempre, esta é a versão oficial, e como versão oficial não resiste a um minuto de pensamento - ou você acha que mesmo remotamente uma gravata pode substituir o cachecol?
Para se chegar ao fundo dessa história é preciso antes entender que a sociedade inglesa se baseia em um sistema de castas, um apartheid que se reflete até na pseudo-democracia que eles tanto defendem.
Não acredita, pois saiba que o parlamento inglês se divide em duas câmaras: a Câmara Baixa, ou "Câmara dos Comuns" (leia-se plebeus), composta por 646 deputados eleitos por sufrágio universal; e a Câmara Alta ou "Câmara dos Lordes", composta por cerca de 700 membros, que são os Pares do Reino nomeados a título vitalício ou hereditário, e os bispos.
Isso pode arrepiar os cabelinhos da nuca de bons republicanos como nós, mas pra eles é tão natural como correr atrás de um queijo por uma ladeira enlameada.
As castas inglesas são distintas e se misturam tanto quanto azeite e vinagre.
Cada casta tem um dialeto e sotaques próprios, frequenta essa ou aquela escola, esse ou aquele clube (ou de onde é que você acha que veio a idéia dos country clubs com suas bolas pretas?), e naturalmente segue essa ou aquela profissão - ou nenhuma, no caso dos que além da nobreza ainda conservam algum patrimônio. Beleza, hein? Pois é assim que funciona até hoje, mas é claro que como isso não impede que plebeus consumam I-Phones, carros de luxo e quinquilharias à vontade, ninguém dá lá muita importância, afinal política é uma chatice mesmo.
Mas voltando à gravata... Em meados do século XIX ascendia na Inglaterra uma nova casta, a dos escriturários.
Como eles apareceram? O capitalismo que dava então seus primeiros passos rumo à conquista do mundo necessitava cada vez mais pessoas com escolaridade suficiente para fazer a escrita e alguns cálculos básicos (tarefinha mundana demais para ser sequer considerada por um lord). Como os bretões são bons planejadores (nisso eu dou a mão à palmatória), instituiram-se escolas pra educar os filhos dos operários e trabalhadores braçais (via de regra analfabetos).
Assim, em poucos anos o mercado estava suprido por uma de mão de obra barata e ávida pela honra e distinção de se livrar da condenação bíblica do ganharás o pão com o suor do teu rosto.
Igualmente ávidos estavam esses proto-yuppies em se livrar da mais remota associação com suas origens. Era a primeira geração legitimamente de classe média do mundo Ocidental (o mesmo acontecia com os escribas do Egito antigo, mas isso é assunto pra outro post).
Como bons ingleses, logo trataram de buscar uma identidade. E como identidade de classe objetivamente se traduz em linguagem, hábitos e aparência comuns, é isso que buscaram.
A parte da linguagem foi fácil, já que as escolas asseguravam um repertório próprio, o mesmo quanto aos hábitos já que com um pouco mais de dinheiro podiam se dar ao luxo de residir em apartamentos no centro da cidade, mais próximos de seus locais de trabalho e isso foi criando um estilo de vida mais urbano, com algum lazer em pubs e casas de espetáculo e muitos passeios nas praças, aos finais de semana.
Restava a aparência.
Cachecóis eram usados pela plebe desde que se inventou a roca. Baratos, simples e versáteis representavam uma peça-chave no guarda-roupas de qualquer plebeu.
Nobres não usavam cachecóis de lã, mas longos tecidos de seda artisticamente enrolados em volta do pescoço e que ofereciam a mesma proteção, mas com estilo. Eram as tais cravate, corruptela engendrada pelos franceses para croat, pois foram os mercenários croatas recrutados durante a Guerra dos 30 Anos (séc. XVII) os introdutores do ornamento na Europa.
Comprar aquela quantidade de seda ia um pouco além das possibilidades para essa nova classe, cujos salários eram só um pouco melhores que os dos operários e trabalhadores braçais, além do mais, imitar abertamente os lords em suas vestimentas seria no mínimo inapropriado.
Aí apareceu alguém com a brilhante idéia de pegar um retalho menor de seda, dar um jeitinho aqui, uma dobradinha ali, uma costuradinha acolá e voilá! Eis a gravata.
Daí a virar ícone da classe média foi um passo - mas daí a tomar de assalto e virar ícone de consumo aqui em Pindorama, onde por 4 meses faz calor e pelos outros 8 faz um calor de rachar...?
Enfim, cá estamos nós, campeões mundiais da gravata...
Gente, não somos mais subdesenvolvidos: temos uma classe-média forte, estamos quase no primeiro-mundo! Não é simplesmente fan-tás-ti-co???!!! Alvíssaras!
Isso certamente deve ter algum reflexo na cultura, na linguagem, devemos estar evoluindo por aí também, não?
Usando a gravata como pretexto, vou ver o que as pessoas têm a dizer sobre ela, e me deparo com a pérola:
Caro amigo a gravata e uma peça de vestiário masculino que e muito elegante um homem bem vestido com uma gravata bem elegante tem passagem certa em muitos ambientes Beijos
Da autora só digo que não, por incrível que pareça, não é uma gravata.
Ah, se ao menos consumíssemos um livro para cada gravata neste país... um parágrafo, que fosse, mas de literatura mesmo e não auto-ajuda!
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