Venho eu chacoalhando no buzão, quando uma voz cheia de razão se sobrepõe ao rugido surdo do motor: "O problema do Brasil é..."
"Bah!", exclamo calada, e já ia murchando os ouvidos, quando reparo nas figuras que discorriam sobre as mazelas do país: dois colonos bem providos prensados nos bancos especiais para idosos e deficientes.
Em pé, bem ao ladinho deles, uma velhinha carregada de sacolas resistia bravamente às tentativas do motorista de arremessá-la por uma das janelas.
Tive ganas de levantar e gritar:
- O problema do Brasil é que gente como vocês não tem o menor respeito pelos idosos! Não estão vendo essa senhora bem aí?!
Mas, o ônibus estava lotado e, confesso, o medo de perder o assento me fez ponderar. Isso e o fato de a velhinha não parecer nem um pouco incomodada com o aparente acinte. Tampouco o cobrador parecia se importar.
A caneta dele cai, e a velhinha, demonstrando habilidades dignas do Cirque du Soleil se abaixa equilibrando as sacolas e a devolve ao cobrador. Pensei que talvez depois dessa gentileza ele fosse se tocar e dar um chega-pra-lá nos colonos, mas que nada!
Me contive olhando feio os dois, torcendo que a certa altura sentissem queimar os cangotes e se dignassem a pelo menos tomar conhecimento da pobre velhinha.
Algumas paradas depois, o cobrador anuncia:
- Próxima parada, IPA.
Os dois brutamontes levantam literalmente empurrando a velhinha e suas sacolas e se dirigem à porta. Tenho ganas de gritar ao ver a cena, mas a moça ao meu lado confidencia detalhes íntimos de sua vida ao celular e longe de mim atrapalhar momento tão sensível... enfim, o ônibus pára e os colonos descem pela porta de frente empurrando todo mundo que já se acotovelava na parada pra pegar o ônibus. Aproveitando a brecha, a velhinha rapidamente toma o assento vago.
Do meu posto, sigo atenta os dois brutamontes com o meu melhor olhar de reprovação já engatilhado e pronto pra disparar.
É quando um deles bate de cara no poste da parada enquanto o outro desajeitamademnte desdobra a bengala.
Ainda bem que fiquei quieta.
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