27 de set. de 2008

PRA LER E REFLETIR


Pra dar uma idéia do quão importante e atual é a releitura de Karl Marx nos dias atuais, reproduzo um trecho da introdução (a íntegra pode ser lida aqui):

(...) Explicar a obra de Marx, portanto, é tarefa que parece esbarrar no lugar-comum de situações consideradas hoje normais, a tal ponto que dispensam explicações.

Mas desmascarar esta normalidade, isto é, o modo com que condições sociais historicamente específicas se apresentam como eternas e naturais, é justamente um dos objetivos centrais de tal obra. Mais do que descritiva e explicativa, ela é uma teoria crítica da sociedade atual, descobrindo a correlação profunda entre as dimensões positiva e negativa de sua realidade. Inspira-se para tanto na dialética de Georg Hegel (1770-1831), cujo caráter idealista condena, conservando o que chamará de "núcleo racional".

Em poucas palavras: a dialética reproduz o movimento contraditório pelo qual algo se apresenta como o inverso do que é. Em sua versão hegeliana, de acordo com Marx, a dialética revelaria que, por trás da aparente diversidade das coisas, se oculta o oposto, a unidade essencial do mundo - descoberta de enorme poder consolador.

Na versão materialista de Marx, porém, a dialética mesma é invertida, e tem a função crítica de revelar a desigualdade social na base da igualdade de todos perante a lei, característica da sociedade civil moderna. A partir daí, é possível entender as decorrentes estratégias de inversão e de encobrimento pelas quais as relações sociais decisivas criam toda uma outra camada de realidade, com relações sociais opostas às da camada primeira. Assim, o implacável vínculo existente entre os indivíduos é de tal ordem que se manifesta como independência mútua desses indivíduos, como se entre eles o vínculo fosse tênue. Donde decorrem a sensação de liberdade e o individualismo exacerbado.

A igualdade, portanto, é determinada pela desigualdade; a liberdade individual, pelo nexo inexorável de relações de mercado. E tudo isso aparece como algo natural, que sempre foi e será como agora, para o que não há alternativa.

Mas esta normalização de condições muito específicas, esta naturalização de situações históricas, diz Marx, não é uma mera ilusão de ótica, e sim também resultado da maneira com que a sociedade capitalista se estrutura.

Com o conceito de "fetichismo", ele fornece uma explicação extremamente rica e fértil para tais processos, seguida e desenvolvida por importantes vertentes filosóficas e sociológicas do século 20.

A crítica social, por outro lado, tem como contrapartida a da sua teorização pelos economistas. Dedicado desde a juventude ao estudo da Economia Política, disciplina fundada no século 17, na Inglaterra das revoluções burguesas, Marx aqui contou com o estímulo e a colaboração de seu grande amigo Friedrich Engels (1820-95). Juntos escreveram vários textos; e na maturidade Engels continuou ajudando Marx em alguns pontos da grande obra sobre a economia moderna que este preparou durante longos anos. Tratava-se de apontar, nas lacunas teóricas das obras dos economistas, a atuação da realidade social mesma que eles explicavam sempre só parcialmente.

É que os processos mencionados acima produziam até no plano do pensamento uma visão individualista e naturalizada da economia dita de mercado.

A constatação de que esta visão não se enfraqueceu hoje em dia - ao contrário, tornou-se quase hegemônica - permite avaliar o quanto a crítica de Marx ganhou atualidade. Ela não nega os fenômenos do mercado, das decisões individuais, da liberdade de movimento dos agentes econômicos; mas também não aceita que tais fenômenos sejam simplesmente dados naturais, e procura revelar sua origem em uma camada da sociabilidade que se oculta neles como seu avesso.

Com isso, Marx obtém uma perspectiva muito mais abrangente e adequada da dinâmica social capitalista, de simultâneo progresso e destruição. De fato, já o Manifesto Comunista (de 1848) faz o diagnóstico eloqüente do tempo instituído pelo capital: "Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado".


O livro pode ser comprado aqui. Custa só R$ 17,90.

Nenhum comentário:

Postar um comentário