Assim é descrito o estalo orgástico decorrente do primeiro contato com o crack. Em 15 segundos a dopamina invade o cérebro e todo o metabolismo do indivíduo reage se acendendo como uma árvore de natal. Com o pulso a mil e a pressão arterial no limite o indivíduo experimenta aceleração nos processos mentais e um incremento em sua força física atingíveis apenas após anos de disciplina e dedicação. Dor, fome, cansaço e, porque não dizer, empatia, afeto e qualquer vínculo emocional dão lugar ao instinto em sua forma mais primitiva. Dependendo da química de cada um, à euforia podem seguir-se a inquietação, a ansiedade, a irritabilidade, a paranóia e a agressividade.
O "barato" dura até 15 minutos, que é o tempo médio que nosso organismo leva pra reagir à overdose de dopamina, bloqueando os receptores e destruindo parte desse neurotransmissor.
É por isso que o "tuim" só acontece da primeira vez - da segunda, nosso organismo já não conta com a mesma vulnerabilidade a seus efeitos: inúmeros receptores já foram destruídos e o nivel de produção natural de dopamina se reduziu. Assim mesmo, já da primeira vez, tamanho é o impacto dessa droga no organismo humano.
E é por isso também que a partir daí a coisa vai de mal a pior, pois quanto mais o indivíduo recorre ao crack, mais receptores são destruídos e menos dopamina é produzida espontaneamente em seu metabolismo.
Sem a dopamina e seus receptores, o indivíduo se torna incapaz de derivar o menor prazer das coisas cotidianas com as quais nos satisfazemos - passear o cachorro, jogar bola com os amigos, namorar, contar uma piada, apreciar o pôr-do-sol e tantas outras coisas "pequenas" -, e que nos fazem respirar fundo e concluir que com todos os seus problemas e imperfeições, a vida vale a pena.
Vida de viciado não vale a pena sem a droga.
Se, em geral, o maior dano que viciados em heroína, cocaína, LSD representam para outros a seu redor é o dano emocional, a presença de um viciado em crack representa potencial risco à integridade física de outras pessoas, sejam elas relacionadas e ele ou não.
O risco pode tanto decorrer da "fissura" por conseguir mais droga, como da agressividade experimentada sob seu efeito.
Nenhuma outra droga faz tanta juz a seu nome como o crack, que em inglês significa rachadura, fissura.
Enquanto se disseminava pelas ruas e favelas, o crack era cinicamente encarado pela classe média como uma intervenção divina para depurar os lixões e favelas de seus "piores elementos". Ao ler nos jornais notícias de pais e mães acorrentando os filhos dentro de casa, alguns reagiam com assombro, mas a maioria levantava os olhos do jornal agradecendo aos céus pela distância social entre seus apartamentos e as favelas - em seu míope entendimento, per se uma barreira eficaz contra a disrupção do crack.
Há anos o crack chegou às famílias de classe média, e agora começamos a testemunhar seus efeitos devastadores. De uma hora pra outra, o crack deixou de ser caso de policia e foi alçado à categoria de "problema social".
O que é preciso que fique bem claro é que o problema social é, e sempre será, anterior ao crack. O dano está necessariamente feito já antes da droga se instalar. O dano é o que leva à droga: pais ausentes e culpados, compensando a ausência física e emocional da vida dos filhos com excesso de recompensas materiais e condescendência para com os desvios típicos de um indivíduo em processo de aprendizado social são o caldo de cultura ideal para a propagação da droga.
Quanto mais fraca e vulnerável a base afetiva e emocional de um indivíduo, mais avassaladores serão os efeitos do crack sobre essa pessoa e, exponencialmente, o impacto que suas ações irá causar na sociedade; que pode ir desde sujeitar a família a um martírio insuportável, até uma escalada de violência com crescentes requintes de crueldade.
Muito raramente, o crack é a primeira droga. Sua antecessora é via de regra a cocaína, um vício caro e mais afeito à zona sul do que às favelas. Normalmente a transição para o crack se dá ou para sentir um "barato" mais intenso ou na ilusão de se fazer economia com o vício.
Se entrar no crack é barbada, sair dele é um processo lento, penoso e com uma taxa ínfima de sucesso.
Na falta de uma droga específica para combater seus efeitos, a terapia comportamental tem sido a fórmula mais comumente empregada nas tentativas de recuperação. Entre as várias técnicas empregadas, destacam-se a autocontenção e a terapia cognitiva comportamental. Tais tratamentos demandam tempo, dinheiro e disposição pra encarar de frente o "cold turkey" da abstinência.
Ainda assim, mesmo depois de exorcizado, o crack continua cobrando um preço alto por conta do desequilíbrio residual que causa na assimilação da dopamina: aos (poucos) que conseguem livrar-se do vício, resta a dependência diária dos antidepressivos e a baixíssima auto-estima alimentada por uma sensação geral de fracasso, de incapacidade e vergonha.
A única "cura" para o crack é jamais sequer experimentar.
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