Não tem hora pra chegar, nem pra partir. Tampouco bate à porta ou pede licença: baixa como uma pegajosa cerração negra penetrando a pele, envenenando o sangue, obliterando os sentidos a toda luz, toda forma, toda cor, todo o som, toda a presença outra que ela própria.
Com voz melíflua entoa o mantra: “não tem saída, nunca vai mudar” e nessa ladainha vai desfiando a realidade na teia fétida e distorcida oferece como abrigo: “não há alternativa”, justifica.
Mentira.
Tem saída, sim: as alternativas são inúmeras porque a vida é dinâmica, é finita; e onde há finitude, há mudança.
A depressão é uma mentira. Uma alucinação.
É tratável. E, acima de tudo, superável.
Lembra o filme "Uma Mente Brilhante"? Lembra quando o personagem a certa altura conclui que aquelas pessoas eram meras alucinações e que tratando-as como tal consegue superar a maior limitação da sua doença?
Pois com a depressão a única diferença é que as alucinações não são sonoras ou visuais, mas emocionais.
Afirmo por experiência própria, por uma vida pontuada por uma dor profunda e insuportável que não guardava correlação direta com os fatos e acontecimentos da minha vida. Um bom psiquiatra me botou o dedo na moleira e me fez pensar nessa possibilidade. De primeiro resisti: o cara tinha que ser meio biléu pra vir me dizer, logo a mim a pessoa mais sofredora deste planeta, do alto da torre de marfim da minha via dolorosa que eu não passava de uma pessoa comum com sentimentos comuns e que tinha, ainda por cima, dificuldades em me valorizar, logo valorizar minhas conquistas e afetos.
Junto com a terapia, ele receitou alguns medicamentos aos quais me mostrei totalmente refratária. Primeiro, porque não gostava de como me sentia sob o efeito daquelas drogas. Na real, não gosto de como me sinto sob o efeito de droga alguma: nunca curti nada nessa linha e não consigo entender como alguém consegue. Mas enfim, os remédios não ajudavam e esgotadas as alternativas de tratamento, era superar no osso ou desistir.
Sou muito teimosa pra desistir. Aconteça o que acontecer, me recuso a perder a esperança e deixar de ver a frágil rosa branca que mesmo rigor do inverno surpreendentemente desabrocha em meu jardim; admirando a perfeição das formas, a delicadeza das pétalas e a suavidade do aroma quase imperceptível.
Aconteça o que acontecer, há vida pulsando ao redor. Vibrante, multifacetada, multicor.
Acredite ou não, a superação veio ao observar as evoluções simétricas de uma abelha em voo.
Que sentido tem a vida de uma abelha? Que grandes realizações esperar? Que mágica, que espetáculo? É uma vida de trabalho, abstinência, sacrifício e doação. Uma vida vivida no momento, sem expectativas megalomaníacas. Uma vida despida de espetáculo, mas plena em sentido e objetivos.
Quais eram as minhas expectativas? Que sentido tivera minha vida até então? Quais eram os meus objetivos?
Precisei voltar anos em minha história, recuperar cada momento em que mentalizei o desejo e lançei os dados cheia de expectativas. E daí percorrer o caminho inverso, avançando até o ponto de ruptura, quando o sonho ou foi abandonado ou se materializou em formas estranhas ao desejado.
Concluí que errara ao não incluir a dinâmica da vida em minhas equações – e isso inclui minha própria dinâmica. E vi quanta vida acontecera nas brechas das minhas obsessões; quantas alternativas e possibilidades descartara por estar cristalizada numa expectativa que já lá, no meio do caminho não cabia mais.
E ao longo de toda a jornada, lá estava ela escarnecendo, flagelando, diminuindo e obscurecendo cada pequena conquista que não fosse A VITÓRIA.
Olhei ao redor. Afora as flutuações comuns a qualquer pessoa não havia nada de essencialmente errado em minha vida. Nada do que reclamar. Tampouco nada a alardear, sibilou uma vozinha melíflua. E daí? – retruquei, enumerando em seguida tudo de positivo que pude ver em minha vida naquele momento.
Soube imediatamente que a atingira onde não tinha defesa, porque tudo que ela sabe é mentir e distorcer; é exagerar o negativo, é espezinhar e machucar jogando você para baixo mesmo quando todos ao redor gritam o contrário.
- Você é uma mentirosa... – começei a acusar, mas um clarão de entendimento cortou o fio de acusações – Você não existe! – exclamei surpreendendo a mim mesma.
Ela estourou como uma bolha de sabão, devolvendo à vida as cores que roubara. Eu vencera o primeiro round.
É o fim da história?
Claro que não. A vida é dinâmica, e a depressão é um vício. Como o alcoólatra, o depressivo tem que desenvolver as virtudes da DISCIPLINA, PERSEVERANÇA e ATENÇÃO.
DISCIPLINA, para exercitar diariamente um ritual de auto-avaliação realista e positivamente.
PERSEVERANÇA, para não abandonar esse ritual mesmo nos momentos mais difíceis.
ATENÇÃO, para detectar essa terrorista emocional no momento que ameaça se manifestar.
Sempre, mas sempre mesmo que identifico em mim um fio de pensamento depressivo, acendo os faróis, paro o que estiver fazendo e avalio o momento comparando aquele pensamento ao que realmente está acontecendo em minha vida e ao meu redor. Há proporção? É relevante? Em que tal pensamento pode me ajudar a resolver o problema, caso haja realmente um problema?
Aliás, por falar em problema, há uma frase que adotei e costumo aplicar sempre que me defronto com um:
O que não é parte da solução, é parte do problema.
Aplicando esse mantra aos pensamentos depressivos, a conclusão é obvia e invariável: eles são SEMPRE parte do problema, NUNCA da solução.
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