Porto Alegre é interessante. Sinceramente, não é bonita. É, assim, aquela adolescente meio feinha mas simpática que a gente aprende a gostar.
Digo aprende, porque pra gostar de Porto Alegre tem que querer gostar. Tem o brique, é. Mas cá entre nós: é meio xinfrim. As "antiguidades" ou não são antigas de todo ou não passam de um amontoado de maçanetas e ferragens pra lá de usados. E o artesanato é meio que assim lá não muito artesanal, uma vez que as peças se repetem com precisão quase industrial. Mas ainda assim, tem o brique e o brique veio pra ficar. Viva o brique!
Tem também os morros e o pôr-do-sol no Guaíba - que muitos portoalegrenses gostam de apregoar de peito estufado tratar-se do mais belo do mundo. Cá entre nós, o pôr-do-sol nas savanas da África é muito, mas muito mais bonito. Pra não falar do Sahara. Mas, tudo bem, é bonito e está lá. Todos os dias, quando não chove. E como chove!
Mas sabe o que Porto Alegre tem também? Os papagaios, gente! De uns cinco anos pra cá, também temos os papagaios. São papagaios louros, não o charão que seria de se esperar já que o charão, esse papagaiozinho meia-boca de cara preta e com detalhes vermelhos é a espécie nativa daqui.
Serão fugidos? Acredito que sim, que são evadidos de cárceres privados aproveitando agora as maravilhas da vida semi-selvagem e deleitando-se com bolotas de plátano e outras frutinhas que vingam encontrar. Não gritam "louro! louro!", seus gritos mais se assemelham aos dos corvos.
Outro dia, no Nacional da Nilo vi um bando passar voando a menos de 6 metros de altura em plena tarde de sábado. Passaram gritando, um bando grande. Engraçado: ninguém se deu ao trabalho de olhar, ocupados que estavam com as compras, o jogging; em notar e serem notados (porque essa é a moral nas cercanias da Encol, não é?). Passaram, e ninguém viu. E eu ali, parada no meio do estacionamento com as mãos atulhadas de sacolas, olhando pra cima, de boca aberta, extasiada.
Tem outro bando pelo Menino Deus e cercanias. O pessoal de lá também parece que não vê.
Ia passando (coincidentemente perto de outro Nacional) pra pegar o carro no mecânico, e ouvi a gritaria. Comentei com o rapaz e ele baixou a voz para um sussurro: "Pois é, eles estão sempre por aí..."
Então aprendi outra coisa sobre Porto Alegre.
Não é que as pessoas não vejam os papagaios. Assim como não é que não reparem nas legiões de sabiás, nas corruíras, cambacidas, bem-te-vis, beija-flores, pica-paus, nos cardeais da Redenção (pois é: há cardeais na Redenção, eu mesma já ví quatro de uma sentada só). De alguma forma, o portoalegrense parece ter aprendido que a melhor relação possível entre o homem e a natureza é a ignorância. No sentido literal. Ignorar é a única maneira de preservar.
A humanidade tem o toque de Midas às avessas no que tange à natureza: onde botamos a mão a coisa desanda. O melhor mesmo é ignorar: assim talvez estejamos garantindo que essa e muitas gerações prósperas de papagaios se multipliquem nesse ecossistema que eles parecem entender melhor do que nós.
Digo aprende, porque pra gostar de Porto Alegre tem que querer gostar. Tem o brique, é. Mas cá entre nós: é meio xinfrim. As "antiguidades" ou não são antigas de todo ou não passam de um amontoado de maçanetas e ferragens pra lá de usados. E o artesanato é meio que assim lá não muito artesanal, uma vez que as peças se repetem com precisão quase industrial. Mas ainda assim, tem o brique e o brique veio pra ficar. Viva o brique!
Tem também os morros e o pôr-do-sol no Guaíba - que muitos portoalegrenses gostam de apregoar de peito estufado tratar-se do mais belo do mundo. Cá entre nós, o pôr-do-sol nas savanas da África é muito, mas muito mais bonito. Pra não falar do Sahara. Mas, tudo bem, é bonito e está lá. Todos os dias, quando não chove. E como chove!
Mas sabe o que Porto Alegre tem também? Os papagaios, gente! De uns cinco anos pra cá, também temos os papagaios. São papagaios louros, não o charão que seria de se esperar já que o charão, esse papagaiozinho meia-boca de cara preta e com detalhes vermelhos é a espécie nativa daqui.
Serão fugidos? Acredito que sim, que são evadidos de cárceres privados aproveitando agora as maravilhas da vida semi-selvagem e deleitando-se com bolotas de plátano e outras frutinhas que vingam encontrar. Não gritam "louro! louro!", seus gritos mais se assemelham aos dos corvos.
Outro dia, no Nacional da Nilo vi um bando passar voando a menos de 6 metros de altura em plena tarde de sábado. Passaram gritando, um bando grande. Engraçado: ninguém se deu ao trabalho de olhar, ocupados que estavam com as compras, o jogging; em notar e serem notados (porque essa é a moral nas cercanias da Encol, não é?). Passaram, e ninguém viu. E eu ali, parada no meio do estacionamento com as mãos atulhadas de sacolas, olhando pra cima, de boca aberta, extasiada.
Tem outro bando pelo Menino Deus e cercanias. O pessoal de lá também parece que não vê.
Ia passando (coincidentemente perto de outro Nacional) pra pegar o carro no mecânico, e ouvi a gritaria. Comentei com o rapaz e ele baixou a voz para um sussurro: "Pois é, eles estão sempre por aí..."
Então aprendi outra coisa sobre Porto Alegre.
Não é que as pessoas não vejam os papagaios. Assim como não é que não reparem nas legiões de sabiás, nas corruíras, cambacidas, bem-te-vis, beija-flores, pica-paus, nos cardeais da Redenção (pois é: há cardeais na Redenção, eu mesma já ví quatro de uma sentada só). De alguma forma, o portoalegrense parece ter aprendido que a melhor relação possível entre o homem e a natureza é a ignorância. No sentido literal. Ignorar é a única maneira de preservar.
A humanidade tem o toque de Midas às avessas no que tange à natureza: onde botamos a mão a coisa desanda. O melhor mesmo é ignorar: assim talvez estejamos garantindo que essa e muitas gerações prósperas de papagaios se multipliquem nesse ecossistema que eles parecem entender melhor do que nós.