25 de nov. de 2010

APRENDENDO A VIVER



Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. 

E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. 

E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo.

E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... 

E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.

Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destrui-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.

Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. 

Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. 

Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. 

Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto. 

Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.

Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita prática.

Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se. 

Aprende que maturidade tem mais a ver com os  tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.

Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.

Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens. Poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. 

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel.

Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que  esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado  por alguém, algumas vezes você tem 
que aprender a perdoar-se a si mesmo.

Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. 

Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. 

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.

E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. 

Aprende que nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar. 

E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!

William Shakespeare

4 de nov. de 2010

INTOLERÂNCIA


Porque precisamos sim que o holocausto integre o currículo em todas as escolas do país.

Escala de Allport
(Também conhecida como Escala de Preconceito e Discriminação de Allport
ou Escala de Preconceito de Allport.)


Primeiro Estágio - Antilocução
Antilocução define observações contra uma pessoa, grupo ou comunidade, que não são expressas diretamente ou explicitamente. Geralmente designada como "falar mal pelas costas", ou representada por frases ou comparações "humorísticas" de gosto duvidoso, o impacto dessa conduta é geralmente pouco considerado.

Dizem que os nordestinos são como animais. Não concordo, isso é um despespeito aos animais.
(fonte: http://www.piadas.com.br/piadas/outras/nordestinos-0)

A fonte citada acima é só um de inúmeros exemplos de sites com piadas que insultam e humilham nordestinos. Na Alemanha pré-nazista, piadas de mau-gosto sobre judeus também eram muito apreciadas.

Segundo Estágio - Esquiva
O contato com as pessoas do grupo minoritário passa a ser ativamente evitado pelos membros do grupo majoritário. O mal é feito através do isolamento.

Terceiro Estágio - Discriminação
O grupo minoritário é discriminado negando-lhe oportunidades e serviços e acrescentando preconceito à ação. Os comportamentos têm por objetivo específico prejudicar o grupo minoritário impedindo-o de atingir seus objetivos, obtendo educação ou empregos etc. O grupo majoritário está tentando ativamente prejudicar o minoritário.

Nordestino não é gente. Faça um favor a sp, mate um nordestino afogado. (@mayarapetruso)

Mais que um fato isolado, a manifestação acima é só a parte visível de um sentimento enraizado que começa a se articular buscando legitimidade: http://www.petitiononline.com/estadosp/. O próximo passo é a representação política, exatamente como ocorreu na Alemanha em meados do século passado.

Aí você pergunta: "tudo bem, eu li até aqui e ainda não vi o que isso tudo tem a ver com o ensino do holocausto nas escolas no Brasil".

Tudo: discriminação é discriminação independente dos alvos que elege para o momento. E mais: a tendência dos movimentos discriminatórios é SEMPRE a de uma escalada para a violência e, num grau máximo, o genocídio.

Mas o ensino do holocausto como fato histórico isolado e conservado em formol como repetição mecânica de números e datas restritas ao ocorrido na Alemanha nazista mais que ineficaz, constitui um insulto à memória dos milhões de indivíduos vilipendiados, humilhados, torturados e finalmente fria e cruelmente assassinados pela intolerância. Nem tampouco contribuirá para a promoção da tolerância entre as novas gerações.

Só pela contextualização facilmente atingível pelo uso da Escala de Allport, por exemplo, a evolução do pensamento nazista de "inocente" anedotário aos horrores do holocausto atingirá o objetivo educacional a que se propõe.

Não há lógica, por mais bem articulada, por mais imbatível que seja, capaz de dialogar sequer, quanto menos debelar a intolerância. Porque a intolerância não é um processo consciente, quanto mais racional. É antes um pré-conceito racionalizado a posteriori. Um discurso que uma vez enraizado se torna refratário a qualquer prova ou argumentação. Tanto o é que mesmo confrontados com o imenso repertório de provas incluindo filmes e fotografias de época, há ainda entre nós indivíduos que neguem a existência do holocausto.

Para encerrar este post, seguem os dois estágios finais da Escala de Allport:

Quarto Estágio - Ataque Físico
O grupo majoritário vandaliza as coisas do grupo minoritário, queimam propriedades e desempenham ataques violentos contra indivíduos e grupos. Danos físicos são perpetrados contra os membros do grupo minoritário. Por exemplo, linchamento de negros nos Estados Unidos da América, pogroms contra os judeus na Europa, e a aplicação de pixe e penas em mórmons nos EUA dos anos 1800.

Dê uma busca sobre agressões a índios e moradores de rua no Brasil. Aqui em Porto Alegre, por exemplo, a alguns meses atrás um "cidadão" desceu do carro e sem nenhum motivo aparente, ateou fogo a um homem que dormia sob uma marquise. Não existem dados oficiais sobre esse tipo de agressão. Seria interessante que houvessem.


De qualquer forma, vale lembrar que também na Alemanha pré-nazista as hostilidades contra judeus começaram como fatos isolados.

Quinto Estágio - Extermínio
O grupo majoritário busca a exterminação do grupo minoritário. Eles tentam liquidar todo um grupo de pessoas (por exemplo, a população dos índios norte-americanos, a Solução Final para o Problema Judeu, a Limpeza Étnica na Bósnia etc).


12 de out. de 2010

Preciso dizer mais?

5 de jul. de 2010

BEM LEGAL


Na última sexta-feira, dia 2 de julho, Ministério Público e Polícia Civil do RS lançaram o projeto Bem Legal que irá recuperar/reciclar bens contrabandeados apreendidos pela Polícia Federal e destiná-los a entidades e famílias carentes.

Conforme a procuradora-geral de Justiça Simone Mariano da Rocha, “Transformar o produto do crime em benefício da sociedade é uma ação protagonista das Instituições e uma conquista de todos nós”.

O Instituto do Câncer Infantil foi a primeira instituição beneficiada pelo projeto, recebendo já no dia do lançamento 4.500 peças de vestuário que haviam sido apreendidas pela PF, após sua descaracterização, conforme se vê na foto abaixo:



O nome e selo do Projeto são criação desta que vos fala.

Para saber mais: http://www.mp.rs.gov.br/noticias/id21632.htm

23 de jun. de 2010

CRIA CRUERVOS...


Em Caxias do Sul, depois que um conselheiro tutelar se escandalizou com um casalzinho de menos de 10 anos no maior amasso durante uma festa junina regada a funk, querem banir o funk do recreio das escolas.

Não vai adiantar nada. Ao contrário: vai piorar.

Não é nem tapar o sol com a peneira, é muito pior, porque não é o funk o culpado disso ou daquilo: o funk é um sintoma, não a doença.

De mais a mais, quem é pai/mãe de adolescente sabe muito bem que a proibição só faz aumentar o desejo. Proibição nunca resolveu nada, o que resolve é aumentar a massa crítica. E pra aumentar a massa crítica é preciso percorrer o caminho inverso, trazendo o funk do recreio para a sala de aula.

E entender que o funk é só um sintoma, não um "mal" em si. É só o produto da enésima geração vítima do apartheid tupiniquim, uma geração que nega os valores ditos "sociais" porque nasceu e cresceu na miséria vendo quem desceu do morro pelo bonde da criminalidade receber tapetes vermelhos em Ipanema e no Leblon; enquanto a imensa maioria que labuta de sol a sol entra e sai todo o dia de cabeça baixa pela porta de serviço.

Ao invés de civilizar as favelas, de promover a dignidade e cidadania nos morros; é a nossa classe média que está se favelizando.

Cría cuervos y te sacarán los ojos (crie corvos, e eles te arrancarão os olhos).

22 de jun. de 2010

O GOLAÇO DE TOSTÃO




Ao saber que Lula pretende outorgar um prêmio de mais de 400 mil a todos os jogadores da seleção que participaram de campanhas vitoriosas na Copa do Mundo, Tostão escreveu:

Na semana passada, ao chegar de férias, soube, sem ainda saber detalhes, que o governo federal vai premiar, com um pouco mais de R$ 400 mil, cada um dos campeões do mundo, pelo Brasil, em todas as Copas.


Não há razão para isso. Podem tirar meu nome da lista, mesmo sabendo que preciso trabalhar durante anos para ganhar essa quantia.


O governo não pode distribuir dinheiro público. Se fosse assim, os campeões de outros esportes teriam o mesmo direito. E os atletas que não foram campeões do mundo, mas que lutaram da mesma forma? Além disso, todos os campeões foram premiados pelos títulos.


Após a Copa de 1970, recebemos um bom dinheiro, de acordo com os valores de referência da época...


O que precisa ser feito pelo governo, CBF e clubes por onde atuaram esses atletas é ajudar os que passam por grandes dificuldades, além de criar e aprimorar leis de proteção aos jogadores e suas famílias, como pensões e aposentadorias.


É necessário ainda preparar os atletas em atividade para o futuro, para terem condições técnicas e emocionais de exercer outras atividades.


A vida é curta, e a dos atletas, mais ainda.


Alguns vão lembrar e criticar que recebi, junto com os campeões de 1970, um carro Fusca da prefeitura de São Paulo. Na época, o prefeito era Paulo Maluf. Se tivesse a consciência que tenho hoje, não aceitaria.


Tinha 23 anos, estava eufórico e achava que era uma grande homenagem.


Ainda bem que a justiça obrigou o prefeito a devolver aos cofres públicos, com o próprio dinheiro, o valor para a compra dos carros.


Não foi o único erro que cometi na vida. Sou apenas um cidadão que tenta ser justo e correto. É minha obrigação.

Aplaudo de pé.

18 de jun. de 2010

LUTO



Não direi: 
Que o silêncio me sufoca e amordaça. 
Calado estou, calado ficarei, 
Pois que a língua que falo é de outra raça. 

Palavras consumidas se acumulam, 
Se represam, cisterna de águas mortas, 
Ácidas mágoas em limos transformadas, 
Vaza de fundo em que há raízes tortas. 

Não direi: 
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem, 
Palavras que não digam quanto sei 
Neste retiro em que me não conhecem. 

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas, 
Nem só animais bóiam, mortos, medos, 
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam 
No negro poço de onde sobem dedos. 

Só direi, 
Crispadamente recolhido e mudo, 
Que quem se cala quando me calei 
Não poderá morrer sem dizer tudo.


Poema à Boca Fechada
José Saramago (16/11/1922-18/06/2010)

23 de mar. de 2010

ENTROPIA

É com muita alegria que compartilho o lançamento do cd Entropia, do Evandro Demari.

Arquitetado por Evandro, Iuri Freiberger e Marcel van der Zwam, o cd conta ainda com participações de peso como Andre Christovam, Luiz Carlini, Rafa de Boni, Giovani Berti, Sergio Olivé, Renato Velho, Justino Vasconcelos, Rodrigo Deltoro, Gustavo “Prego” Telles, Eduardo Bisogno, Cassiano “Cafu” Farina, Luciano Albo, Gabriel Guedes, Rafa Gubert, Tita Sachet, Ricardo Siviero, Carlos Mallman, Roberto Scopel, Rodrigo Siervo e esta que vos fala.

Além de participar em 7 músicas, ainda elaborei a arte do CD, o site e as redes sociais.

Pra saber mais sobre Evandro Demari e Entropia, visite o website.

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2 de mar. de 2010

DOS BONDES


Eles vêm de onde o Estado não chega, e a família - se existe - não basta; onde se nasce por nada e se morre por menos ainda.

Cada vez que um político safado enfia no bolso o dinheiro público, um bonde inteiro nasce numa favela do Brasil.

Cada vez que um "cidadão de bem" sonega um imposto, um menino pobre cede e se junta à malta.

Cada vez que como sociedade lhe damos as costas, mais um menino pobre aumenta o bonde.

Fruto de nossa escolha de sociedade, eles são a ponta do iceberg composto pela maioria diariamente massacrada pela precariedade do retorno que damos em contrapartida aos inestimáveis serviços que prestam a nossos lares, veículos e escritórios acarpetados, climatizados e mobiliados com apuro e sofisticação.

Essa maioria deixada para trás de todo o progresso econômico, moral e social, para a qual o futuro traz como certeza apenas a repetição do presente. Sem esperança, se retrai:

Na ausência de uma relação espontãnea, natural, criadora com o mundo, livre de angústias, o "eu interior" desenvolve, assim, um sentimento geral de empobrecimento interior, expresso em queixas de vazio, morte, frieza, aridez, impotência, desolação, inutilidade da vida interior. (R.D. Laing, O Eu Dividido)

Segundo Laing, as mudanças por que passa esse "eu interior" rumo à psicose são:

1 - Torna-se "fantastizado" ou "volatilizado" e, assim, perde qualquer identidade firme e definitiva.
2 - Torna-se irreal.
3 - Torna-se empobrecido, vazio, morto e dividido.
4 - Torna-se cada vez mais carregado de ódio, temor e inveja.

Se a "vida interior" é inútil, e o mundo um ambiente árido e hostil; se a sociedade não propicia nenhum escape, o jovem homo-sapiens atordoado pela súbita explosão de testosterona da adolescência só pode reagir por instinto. E o instinto mais forte no homem é a violência.

Mas, não fechamos o livro aí porque, afinal, falamos de uma parte significativa da nossa própria sociedade e não de um punhado de alienígenas. E isso só leva a uma, irrefutável conclusão: SOMOS UMA SOCIEDADE DOENTE, UMA COLETIVIDADE ESQUIZOFRÊNICA dividida entre o "eu aparente" (classe média e elites) e o "eu interior" (pobres e miseráveis).

Vivemos, como sociedade, num "sistema do falso eu". Reflita sobre os sintomas descritos por Laing:

1 - O sistema do falso eu se torna cada vez mais extensivo.
2 - Torna-se autônomo.
3 - Torna-se "perseguido" pelos fragmentos de comportamento obrigatórios.
4 - Tudo que a ele pertence se torna cada vez mais morto, irreal, falso, mecânico.


Não precisa ser um analista pra concluir que grande parte do nosso comportamento como sociedade está milhas aquém da espontaneidade e insanamente mediado por gadgets e engenhocas; que cada vez mais nossa existência depende de coisas "mortas", de coisas mecânicas e isso traz reflexos na maneira como assimilamos o mundo e o ensinamos a nossas crianças.

Em nossas grandes cidades, mais que em qualquer outro lugar, objetivamos a tudo e a todos, despindo dos atributos de humanidade a massa com que nos defrontamos diariamente no trânsito, nas ruas e nos shopping centers. Todo o ressentimento que sentimos por saber que em nada somos diferentes dos anônimos que desfilam aos nossos olhos diariamente; neles projetamos como agressividade e isso nos faz temerosos demais para dar o passo que nos separa de uma existência autêntica.

Como a senhora X de Laing, somos o fantasma no jardim de ervas:

Os únicos seres viventes na planície eram bestas selvagens. Ratazanas infestavam a cidade destruída. Sua existência se representava por imagens de completo abandono estéril e árido. Essa morte existencial, essa morte-em-vida era a forma que dominava seu ser-no-mundo.

Nessa morte não havia esperanças, futuro, possibilidades. Tudo acontecera. Não havia prazer, fonte de uma possível satisfação ou prazer, porque o mundo estava tão morto e vazio quanto ela.

Em nossa sociedade, o consumo é a única opção aparentemente válida para esse vazio. E quem está alijado do consumo, jaz às margens sem outra opção que dar vazão à raiva, à inveja e à frustração.

Daí os bondes.

25 de fev. de 2010

A DIFERENÇA


Se você, como eu, sente aquele incômodo quando se fala na Amazônia. Se você, como eu, acredita que a parte brasileira da Amazônia é do Brasil; mas ao mesmo tempo entende que por suas dimensões, recursos e diversidade desempenha um papel fundamental à existência da vida no planeta como um todo; então assista ao vídeo acima, motive-se e faça alguma coisa a respeito enquanto há tempo.

A Fundação Villas-Bôas é uma ONG brasileira de quatro costados, formada por gente que conhece a problemática da Amazônia na teoria e na prática. Gente que precisa de nós pra botar em prática os seus projetos.

Vamos fazer a diferença.

11 de fev. de 2010

A TEORIA DE GAIA


Às vezes a gente se depara com um vídeo capaz de redimir o Youtube das centenas de terabytes de besteirol que armazena.

O vídeo acima é um desses (raros) casos. Simples, sem pretensões e direto, demonstrando a clareza que só emerge do conhecimento aliado à observação e elaboração. O texto é tão bom que merece ser repetido:

A Terra é um ser vivo.
A Terra sobreviverá à toda e qualquer tentativa do homem em destruí-la.
A humanidade é antes de tudo um perigo para ela mesma e não para a biosfera como um todo, embora estejamos modificando o seu aspecto.
As espécies evoluídas, as mais emblemáticas para a defesa do meio ambiente (salvo a nossa) são paradoxalmente as menos necessárias ao equilíbrio do sistema.
Saibamos nos proteger de nós mesmos, a natureza se encarregará de proteger a si mesma.
Pensar que a Terra está em perigo não tem nenhum sentido.
A Terra é como ela é, e somos nós que na escala do tempo (séculos ou milênios) estamos em perigo como espécie dominante, vivendo sem respeitá-la.
A cada 3 dias 7.500 crianças morrerão de paludismo*.
A cada 14 segundos, uma criança morrerá de AIDS.
A cada ano, 65 milhões de meninas continuarão proibidas de frequentar escolas; mais de 160 milhões de crianças sofrerão de desnutrição; 3.300 crianças morrerão de diarréia, consequência direta de água insalubre e falta de higiene.

A realização do vídeo é da ambientalista Carla Cristina Carvalho Daher, representante da Fundação Villas Boas na França.

O texto é de J. Lovelock, médico e biológo da NASA e UNICEF, e foi adaptado por Cristina Carvalho.

* malária

10 de fev. de 2010

"ELE" ESTÁ ENTRE NÓS


A gente sabia que era só questão de tempo. Agora não é mais: a dengue chegou de fato a Porto Alegre.

Até este momento, trata-se de mais um "caso importado" da doença. Mas há uma diferença: pela primeira vez a Secretaria de Saúde do município constatou a presença de mosquitos infectados no entorno da residência de um habitante de Petrópolis que voltou de férias do Mato Grosso infectado pela doença.

Ouvi no rádio, de passagem, ontem pela manhã enquanto preparava o almoço e quase que a notícia me passa batida pela correria do dia-a-dia. Mas hoje, ao ver-me arrancada dos braços de Morfeu às 5 da manhã pelas trombas inclementes dos nanovampiros a breve nota divulgada entre um comentário esportivo e mais uma crítica neoliberal ao governo Lula me tomou de assalto.

Durante o dia de ontem a Prefeitura realizou bloqueio na Avenida Guaporé entre a Bagé e a João Caetano, Travessa Professor Tupi Caldas e em trechos das avenidas Bagé, Luiz Manoel Gonzaga e Rua João Caetano entre as avenidas Guaporé e Carlos Gomes.

A Prefeitura faz o que pode, e até o momento tem vencido batalha por batalha dessa guerra que ela sabe perdida de antemão. E perdida não por incompetência, sequer por desleixo da população. É uma guerra perdida porque é travada contra a elite da força aérea da biomassa mais poderosa do planeta.

Se os mosquitos em geral são os caças da força aérea dos insetos, o Aedes é o temível bombardeiro stealth: seu ataque não é precedido por aquele incômodo zumbido e, se é verdade que prefere atacar durante o dia - no início da manhã e cair da tarde -, também não se faz de rogado se porventura deparar com uma presa à noite.

Nos 30 a 35 dias que voa por aí nos assombrando, a esposa do "seu" Aedes tem de 4 a 6 gestações de cerca de 100 bacurinhos cada. Dependendo da quantidade de sangue que ela conseguiu ingerir, uma ninhada pode chegar a 150, 200 ovos.

Como qualquer senhora da elite não sai largando ovos por aí como uma reles mosquita pra quem qualquer esgoto serve. Isso seria como madame encarando fila no postão pro pré-natal pra depois dar à luz de parto normal, sem nem uma peridural num hospital do SUS. Com uma autonomia de vôo de 3 quilômetros ela pode ser dar ao luxo de escolher os melhores resorts, digo maternidades, para seus pimpolhos. O plural aqui se explica porque a "dona" Aedes é esperta como a galinha amarelinha: nunca bota todos os ovinhos no mesmo ninho, ao contrário da matrona Culex que desova toda a ninhada de uma vez só.

Como todo o cuidado é pouco com seus preciosos rebentos, a zelosa mamãe Aedes ainda se dá ao luxo e ao cuidado de envolver cada leva de ovos com um gel protetor que impede a eclosão dos ovos até que o ambiente apresente condições ideais de umidade e temperatura. E essa espera pode se estender por até 450 dias - isso mesmo, um ano e dois meses.

Nossos "espetaculares" avanços na engenharia genética são fichinha se comparados aos 400 milhões de anos de seleção natural que culminaram em armas letais como o Aedes Aegypti.

Mas, se serve de consolo, a seleção natural também joga a nosso favor - não fosse por ela o Brasil não teria chegado aos 200 milhões de habitantes nem a ferro e fogo e o homem teria desaparecido da África já há milhões de anos.

43 anos após o Grito do Ipiranga, registrou-se o primeiro caso da doença em Recife - isso de forma alguma quer dizer que a doença tenha aparecido aqui do nada naquele ano, mas tão somente que sendo ela própria uma sanguessuga, a coroa portuguesa tinha interesses mais relevantes que a saúde pública em mais uma de suas várias colônias. Até porque dizem as más línguas que junto com outras mazelas como a gripe, o sarampo, a lepra, a sífilis e etc e tal, a dengue teria chegado por mãos portuguesas a terras tupiniquins. Não diretamente pelos colonizadores, mas pelos infames porões dos navios negreiros que aportaram aos milhares por toda a costa do Brasil, já que o Aedes Aegypti, como o nome sugere, é um inseto originário da África.

Voltando à seleção natural, cerca de 80% das pessoas picadas pelo mosquito infectado no Brasil são assintomáticas ou manifestam sintomas leves da doença.

Isso leva a crer que centenas de anos de exposição aliada à miscigenação já dotaram 80% da população brasileira de um mecanismo de defesa eficiente no combate à doença. Na África, de onde se originou, a dengue causa pouca ou nenhuma preocupação. Se por um lado a turbulência e corrupção históricas do continente têm retardado a implementação de políticas adequadas de saúde pública e saneamento, a população africana em seu total abandono tem demonstrado um aparato genético de exepcional resistência e capacidade regenerativa.

Em 2008 o Centro Nacional de Investigação Superior da França anunciou a descoberta de um macrófago (grande glóbulo branco) presente na derme humana capaz de capturar o flavivírus (que é o vírus da dengue). O macrófago foi batizado de CD209/DC-SIGN.

É interessante notar que o gene CD209 foi rastreado em 2005, tendo suas origens determinadas na África há cerca de 2 milhões de anos atrás. Enquanto o CD209 (predominantemente em populações africanas e asiáticas) está relacionado à resistência a agentes como Mycobacterium tuberculosis, Helicobacter pylori, Klebsiela poneumonia, HIV-1, virus Ebola, cytomegalovirus, Hepatite C, Dengue, SARS-coronavirus e parasitas como Leishmania pifanoi e o Schistosoma mansoni; seu derivado (ou mutação) CD209L (predominante no genótipo europeu) age mais restritamente sobre HIV, hepatite C, Ebola, e coronavirus, bem como o parasita Schistosoma mansoni.

Enquanto isso, cá estamos. O dia amanheceu, a cidade acordou com seus rugidos e eu continuo aqui divagando sobre a dengue, preocupada conosco, os gaúchos, até então afortunados pelo tênue ou inexistente contato com esse mal e tão orgulhosos de nossas raízes predominantemente européias. Penso que vamos começar a desejar ter tido um pouco mais que só os dedinhos dos pés criados na senzala.

Eu, que tenho o pézinho lá assentadinho na mamãe Africa com muito orgulho e carinho já vou cantando e pedindo a benção:

Saravá Oxalá, Oxalá Meu Pai!
Saravá Ogum, Patakori Ogunhê!
Saravá Xangô, Kaô Kabecile!
Saravá Obaluaie, Atotô Obaluaiê!
Saravá Oxossi, Okê Bamba O’Clima!
Saravá Iemanjá, Odô iá!
Saravá Oxum, Ora iê iê ô!
Saravá Iansã, Eparrei!

5 de fev. de 2010

PERDOAR, JAMAIS

Eu tenho andando muito incomodada com a série "Infiltrados" que a Zero Hora vem publicando, relatando as atividades de delação dos agentes da máquina ditatorial como se não passassem de picardias juvenis. Se não torturou e matou diretamente, essa gente foi responsável pela prisão tortura e desaparecimento de dezenas de cidadãos, muitos dos quais ainda hoje seguem desaparecidos.

Como a menina da foto, EU ME RECUSO A APERTAR A MÃO DOS OPRESSORES.

A reação a isso veio no artigo que reproduzo a seguir:

A última medula dos ossos

por Christopher Goulart*

"Os fins justificam os meios.” Foi a declaração pública de um ex-analista de informações do Dops nas páginas de Zero Hora, ao justificar a tortura, defendendo isso “até a última medula dos ossos”. Ler algo tão revoltante, olhando para a foto de um senhor estampada no jornal, vangloriando-se de seu passado na ditadura militar, ocasiona-me uma profunda reflexão.

Ao que me consta, a sociedade está debatendo punição aos torturadores, revisão da Lei de Anistia, entre tantos pontos polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos. Alguns contrários, outros favoráveis, tudo dentro de uma normalidade democrática. Mas ainda resta dúvida a respeito de a tortura ser um crime de lesa-humanidade; portanto, crime inafiançável?

A ninguém cabe alegar desconhecimento da convenção da ONU contra a tortura, ratificada pelo Brasil em 18 de dezembro de 1989 ou do artigo 5° da Declaração de Direitos Humanos que diz “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. São regras da civilização. Mesmo assim, somos surpreendidos com apoios públicos incondicionais – “até a última medula dos ossos”, que apontam um retrocesso grotesco para a barbárie superada.

Sugiro ao senhor da foto que leia o artigo de Marcelo Rubens Paiva publicado recentemente em São Paulo, na forma de carta aos militares. Talvez este cidadão reveja seus conceitos. Talvez lembre que o pai do autor desse artigo, esse sim sofreu “até a última medula dos ossos”, torturado e assassinado nos porões da ditadura. A justificativa? Rubens Paiva era relator de uma CPI que investigava dinheiro da CIA para a preparação do golpe. Tornou-se um número a mais dentre os desaparecidos.

Sou, sim, favorável à revisão da Lei de Anistia, mas respeito opiniões contrárias. Também tenho uma história de vida diretamente ligada ao golpe civil-militar que expulsou minha família de meu verdadeiro país e me obrigou a nascer no exílio. Nem por isso ignoro a liberdade de expressar opiniões divergentes sobre um tema tão polêmico. Mas, com todo o respeito: a pregação aberta da tortura é hoje algo inconcebível para uma humanidade em constante estágio evolutivo.

*Presidente da Associação Memorial João Goulart
Zero Hora - 05 de fevereiro de 2010

4 de fev. de 2010

SEM PALAVRAS


É mole ou quer mais?

26 de jan. de 2010

ESSA MODA VAI PEGAR



Com mais de 40% das mulheres acima do peso "ideal" - algo entre o esquálido-etíope e o magrela-Sudão -, segmentos da indústria da moda menos preocupados em economizar na metragem dos tecidos começam a apostar a sério em mulheres normais como eu e pelo menos 40% de vocês.

É a moda "true size", e veio pra ficar.

15 de jan. de 2010

O EXEMPLO DO "SEU" SILAS



O verdadeiro herói não perde tempo com palavras: arregaça as mangas e vai à luta. Eventualmente seu nome é revelado e ele sai do anonimato pra servir de exemplo a todos nós. Porque em momentos de extrema necessidade não são os governos e as organizações que fazem a diferença, o povo, os indivíduos e os heróis anônimos que circulam desinteressadamente entre nós.

5 de jan. de 2010

OUTROS VERANEIOS



Todo começo de ano é a mesma coisa: a corrida histérica pelos presentes de Natal, a corrida histérica pela melhor festa de reveillon e, na sequência, a corrida histérica pelo melhor lugar na praia.

Ah, a praia... a praia da minha infância era um amontoado de chalés de madeira dispersos entre os dois braços mortos e as dunas que se estendiam até a faixa preta (hoje av. Paraguassú), ligados por vias precariamente pavimentadas, quando não meras trilhas de areal. Qualquer chuvinha mais metida a besta nos deixava literalmente ilhados, fazendo da carroça do padeiro nossa única ligação com o mundo exterior.

A praia de minha infância tinha dois ritmos: da manhã de segunda ao anoitecer de sexta-feira, a praia era povoada por mulheres e crianças e o cardápio era o mesmo da cidade: arroz, feijão, bife, guisadinho, pastel, rosbife, salada e por aí vai. Depois das oito da noite pela rua só passava gato ou algum salva-vida indo visitar a namorada - era tradição que as empregadas namorassem os salva-vidas, por isso a praia era delas à tarde, mas chego nisso depois.

Ao anoitecer de sexta-feira, a criançada se amontoava nas frentes das casas esperando despontarem os faróis anunciando a chegada dos pais. E ainda da noite de sexta até o finalzinho da tarde de domingo toda a praia cheiraria e churrasco e peixe assado. Durante essas três noites o toque de recolher era suspenso e se podia ouvir música e conversas altas até por volta da meia noite. A pequena boate fazia até uma matiné especial pras crianças nas tardes de sábado.

Ao anoitecer de domingo a maioria dos pais pegava a estrada. Como os restantes partiriam logo ao amanhecer, os domingos acabavam cedo, aí pelas nove da noite.

Como a maioria das famílias, éramos regidos pelo ritmo das mulheres de segunda a sexta, mas havia a minha avó, que às cinco e meia religiosamente, acordava e independente do tempo vestia o maiô e começava o ritual do chimarrão batendo as chinelas de "matéria" pra lá e pra cá pela varanda que circundava a casa até que alguma alma desse sinal de vida - o que acabava acontecendo sempre aí pelas sete horas quando começava a função do café da manhã.

Mas antes do café da manhã, tinha o ritual de espiar pelas frestas das venezianas ainda cerradas. Se tivesse sol, corríamos a vestir os maiôs; se não, de volta pra cama.

Às oito, devidamente alimentados e inspecionados nos perfilávamos pra percorrer o longo e acidentado caminho que nos levava ao mar abarrotados com cadeiras, esteiras, toalhas, bolas, pás baldes e outros brinquedos - por medo dos afogamentos, o uso das planondas era proibido para nós.

A primeira parte da caminhada se dava escorregando as havaianas pelas festas das pedras mal assentadas do calçamento. Sábia, minha avó caminhava rente ao meio-fio nivelado pela areia empurrada pelos veículos.

Vencida essa etapa, ingressávamos nos brejos do Braço Morto levantando nuvens de mosquitos à nossa passagem. E vá batendo toalhas e camisetas contra as pernas. A essa altura nós, as crianças de então, já seguíamos mais de uma centena de metros à frente das mulheres na mesma corrida de sempre pra ver quem galgava primeiro as dunas, o último obstáculo a superar.

E era só lá, do alto das dunas, que acabava o suspense, e a imensidão revelava seu humor para além de onde a vista alcançava. Via de regra era cinzento e carrancudo rugindo e saltando ameaçadoramente.

Mas havia os raros dias em que se estendia placidamente tingido de azul-esmeralda listrado por gentis marolas brancas.

Algumas poucas famílias como a nossa convergiam para aquele santuário carregando baldes, bolas, toalhas, esteiras, raquetes, guarda-sóis e caixas de isopor contendo bebidas e um lanchinho. Com cada família no seu nicho, sobrava uma enormidade de espaço pra jogar frescobol, futebol, vôlei, pegar jacaré de olhos fechados ou mesmo correr com os cachorros pra lá e pra cá - sim, porque cachorro também podia desfrutar do mar na minha infância e a minha Dolly era uma assídua frequentadora das areias do Imbé.

E assim se arrastavam as manhãs como as sombras pelo chão até que as mães dessem o toque de recolher - sempre ao meio-dia, quando faltava espaço à sombra dos guarda-sóis.

E lá íamos nós saltitando e afundando até os joelhos nas areias escaldantes duna acima e duna abaixo até alcançar o alívio do manguezal protegidos dos mosquitos pela grossa camada de areia a recobrir nossas canelas. Carregadas no colo, as crianças pequenas via de regra já dormiam a essa altura acrescentando um peso extra às mães já abarrotadas pela traquitanda que carregavam todo o dia pra lá e pra cá.

À visão do topo do telhado de nosso chalé, começava a corrida pelo chuveiro. E toca tomar banho, tirar o sal dos cabelos, se vestir e sentar à mesa com a barriga já roncando pelas costas, esperando enquanto a mãe esperava a vó tomar banho pra aí então dar banho no nenê e depois tomar banho também pra só então sentar à mesa dando largada à terceira corrida do dia.

Findo o almoço, toque de recolher até as três da tarde e ai de quem fizesse um barulhinho sequer. Enquanto cerravam-se as venezianas da casa, nos reuníamos num canto do avarandado jogando pif-paf. O clip-clop bucólico da carroça do padeiro encerrava aquele estado de sítio. Aí pelas quatro da tarde, depois do café, estávamos livres pra correr e gritar como crianças normais.

Pedalando pelas ruas testemunhávamos a marcha das empregadas para encontrar os salva-vidas à beira-mar.

As poucas crianças que se juntavam à procissão eram instruídas a se manterem longe das águas: nas horas seguintes os olhos dos salva-vidas estariam em todos os lugares, menos no mar.

Dispersos, nos divertíamos jogando bola ou simplesmente pedalando nossas monaretas pra lá e pra cá até que as mães começassem a nos chamar aos gritos das portas das casas para o jantar.

Aos finais de semana essa rotina se alterava um pouco. Enquanto nos sábados o que mudava basicamente era o cardápio e a inclusão da pescaria nas atividades vespertinas, aos domingos grande parte das famílias estendia a manhã à beira-mar até por volta das três da tarde. Por isso aos domingos a praia cheirava a churrasco das onze da manhã até por volta das seis da tarde.

Naquele tempo, as férias eram um período sabático de sossego e felicidade, da mais pura alegria de viver.

O mesmo Imbé simples e bucólico de outrora, hoje povoa as páginas policiais com atropelamentos, tentativas de linchamentos, roubos, assaltos, bondes e espancamentos.

Sossego não existe mais nem se nos trancafiarmos dentro de casa: durante o dia somos invadidos pelo alarido das pessoas e carros trafegando sem destino de um lado para o outro aos berros e com o som a mil. À noite, a mesma coisa. Qualquer lugar onde se pretenda ir está tomado de gente, é um mar de gente nos impondo a desagradável visão de seus pelos e gorduras expostos pelas exíguas sungas e fios dentais mesmo dentro das farmácias, bancos e supermercados.

E é uma gente grossa, barulhenta e mal-educada; uma gente que não entende a diferença entre liberdade e libertinagem, agindo como se a praia fosse a casa da mãe Joana onde se pode tudo que se quer - e Deus sabe que não há limites para a estupidez do querer humano e para o rastro de sujeira e devastação que vai deixando ao passar.

É uma gente feia por dentro e por fora, cujo único talento na vida é fazer de um paraíso um lugar infernal.

4 de jan. de 2010

ELE ERA O CARA


Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly nasceu plebeu e gaúcho em 1895 e morreu barão e carioca em 1971.

Estudou para médico, mas ganhou a vida como jornalista; e como jornalista sagrou-se barão:

Fizeram acordos. O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve

O episódio a que Aparício se refere é o acordo entre os getulistas que subiam o país do RS para o Rio, e as tropas fiéis a Washington Luís e à Aliança Liberal; que teria evitado a "batalha mais sangrenta da América do Sul" na cidade de Itararé (fronteira entre SP e PR) onde deveriam se encontrar.

Mas a parte mais genial do grande "Barão" são as frases de efeito. Pra não me estender muito - até porque quem quiser saber mais que use o Google -; seguem algumas périolas:

  • De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
  • Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa.
  • Dize-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
  • Quando pobre come frango, um dos dois está doente.
  • Cleptomaníaco: ladrão rico. Gatuno: cleptomaníaco pobre.
  • Um bom jornalista é um sujeito que esvazia totalmente a cabeça para o dono do jornal encher nababescamente a barriga.
  • Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.
  • O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim , afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
  • Urçamento é uma conta que se faz para saveire como debemos aplicaire o dinheiro que já gastamos.
  • O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
  • Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
  • Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai.
  • Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você.
  • A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
  • Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
  • A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.
  • Precisa-se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa.
  • O casamento é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.
  • Com as crianças é necessário ser psicólogo. Quando uma criança chora, é porque quer balas. Quando não chora, também.