25 de mar. de 2013

UMA PIADA, PRA VARIAR


Ando meio sem assunto. Toda a vez que eu entro no fêicebuqui vejo tanta gente criticando e reclamando de tanta coisa séria, relevante e importante; que sinto diminuída minha humilde cruzada utópica pela felicidade de cada um pensar por si e cuidar da própria vida e deixar os outros pensarem e cuidarem das suas como lhes aprouver.
 
Então, para hoje, ao invés de alguma coisa dita por alguém que já sabia tudo e cuja sabedoria adiantou tanto lá como aqui; resolvi contar uma piada. É assim:
 
O sujeito, que não era nenhuma flor que se cheire, morre e vai pro inferno. De chegada, o recebe um aspone pobre-diabo, que informa:
 
- Pro seu caso tem dois infernos para escolher: o inferno suíço ou o inferno brasileiro.
 
- Qual a diferença? - pergunta o sujeito que não era nenhuma flor que se cheire.
 
- No inferno suíço, as acomodações são de primeira: ar- condicionado, decoração requintada, pratos de louça, talheres de prata... sabe como é... por tudo isso, você tem que comer um pires de merda por dia.
 
- E no brasileiro? - pergunta o sujeito que não era nenhuma flor que se cheire.
 
- No inferno brasileiro as acomodações são de segunda: não tem climatização, pratos e talheres são de plástico, a decoração é barata e todo mundo tem que comer três tijelas cheias de merda por dia: uma no café, outra no almoço e outra no jantar.
 
Sem titubear, o sujeito que não era nenhuma flor que se cheire escolhe o inferno suíço.
 
O aspone o conduz então por um estreito corredor, abre uma porta e o empurra para o interior de uma ampla sala confortavelmente decorada, com lareira e tudo.
 
Como bom brasileiro, o sujeito que não era nenhuma flor que se cheire, trata logo de se inteirar e fazer amizades, mas os tristes e cabisbaixos internos daquele inferno, confortavelmente instalados em sofás, poltronas e chaise-longues não estão pra conversa: só suspiram e olham para o vazio.
 
Um tanto aborrecido, ele vai andando pela sala, testando a maciez dos estofados e decidindo onde se instalar quando repara no alarido que vem do outro lado do muro baixo com cerca elétrica que separa o luxo organizado do inferno suíço de um caótico amontoado de gentes cantando e se esbaldando às gargalhadas.
 
- Eí, você aí! - grita o sujeito que não era nenhuma flor que se cheire - Que inferno é esse aí de vocês?
 
- Ah, este é o inferno brasileiro! - exclama o outro condenado com um sorriso.
 
- Como é que é? Aqui o pessoal come um pires de merda por dia, e todo mundo só faz suspirar e olhar pro teto! Me disseram que aí a gente tem que comer três tijelas por dia... por quê tantra festa!?
 
- Porque é o inferno brasileiro, meu! - o outro condenado dá de ombros - Um dia falta lata, no outro falta merda, no outro acabou o gás do fogão, no outro é feriado, no outro o diabo que distribui as tijelas nem aparece pra trabalhar... é só festa!

21 de mar. de 2013

GORDINCIDÊNCIA


19 de mar. de 2013

PESSOA NA PESSOA


Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
 
(Fernando Pessoa)
 
(Foto: pinguins no Mar de Ross, Antártica; por Paul Nicklen)

17 de mar. de 2013

OS SAPATOS DO PAPA


BOM DIA!!!
 
Calçando o modesto par de sapatos com que percorria as vilas e favelas de Buenos Aires, o papa Francisco escolheu o perdão como tema do seu primeiro Angelus.
"Deus nunca se cansa de perdoar, somos nós os que cansamos de pedir perdão." - citam as manchetes pelo mundo a fora.
 
Tenho certeza de ter ouvido a certa altura ele também dizer que "cansamos de perdoar"; mas como não vi a nenhum meio de comunicação reproduzir isso, não posso dar a certeza.
 
Mas achei o tema mais do que oportuno: muito mais que apregoar "verdades" e praticar "justiças", precisamos perdoar e pedir perdão.
 
Quanto mais penso no assunto, mais me convenço que perdoar é o ato mais radical, mais libertário e revolucionário de que o ser humano é capaz.
 
E como faz bem!
 
(Foto: o sapato do papa, por Max Rossi/Reuters. A propósito: logo depois da proclamação, um funcionário do Vaticano chamado de Mestre de Cerimônias ofereceu ao novo papa a tradicional capa vermelha decorada com pele. "Não, obrigado, monsenhor" - declinara Francisco - "Você pode vesti-la. O Carnaval acabou!")

16 de mar. de 2013

MARA E AS RELIGIÕES



BOM DIA!!!
 
Já fazia um bom tempo que eu não postava uma parábola zen, então aí vai uma para este sábado ventoso:
 
Em uma de suas muitas incursões pelo interior da Índia para combater a luz e disseminar a ilusão de Maya, o demônio Mara e seus auxiliares depararam-se com um homem no exato momento em que, interrompendo sua caminhada de meditação, esse teve a face iluminada pelo entendimento ao pousar os olhos no chão logo à sua frente.
 
- O que esse homem encontrou para ficar assim iluminado, Mestre? - perguntou intrigado um dos auxiliares.
 
- Um pedaço da Verdade. - respondeu Mara retomando o passo alegremente.
 
- Como pode ficar feliz, Mestre? - perguntou um auxiliar perplexo com a tranquilidade do malévolo - Não lhe incomoda que alguém encontre um pedaço da Verdade?
 
- Em absoluto! - replicou Mara com um sorriso - Pois a cada pedaço que encontram, ao invés de juntá-lo aos demais, os homens correm a fundar uma nova crença, escondendo-o por trás de seus templos e rituais.
 
(Foto: Igreja do Santo Rosário - Holy Rosary Church -, em Shettihalli, Índia. Construída por missionários franeses em 1860 nas proximidades de Sakleshpur. Todo o ano, com a chegada das monções, a igreja é engolida pelas águas do reservatório de Gorur até a altura das torres, para voltar a ressurgir com o recuo das águas ao final da estação. Atribui-se ao uso de uma combinação de tijolos e argamassa com uma mistura de açúcar mascavo e ovos a causa de sua impressionante resistência.)

15 de mar. de 2013

É VIVER MAL COMEÇAR SEMPRE A VIVER


BOM DIA!!!
 
Nascido em berço de ouro 4 anos antes da Era Cristã, Lucius Annaeus Seneca foi enviado a Roma aos 3 anos de idade para estudar oratória e filosofia. Passou uma temporada no Egito para recuperar a saúde abalada pelo rigor dos estudos, retornando a Roma no ano 31; ocasião em que iniciou carreira como advogado e orador logo chegando ao Senado. Seu nome provavelmente teria caído no esquecimento se não tivesse se envolvido com Júlia Livila, sobrinha do imperador Cláudio; que não gostando nada da idéia o mandou para o exílio.
 
Foi nos 8 anos de exílio que Sêneca se dedicou aos estudos e redigiu vários de seus tratados filosóficos, lançando os fundamentos do estoicismo.
 
Em 49, Agripina a Jovem, uma das esposas do imperador Cláudio, o trouxe de volta a Roma para servir como preceptor de seu filho Nero. E quando aos 17 anos Nero tornou-se imperador, Sêneca passou de preceptor a conselheiro, e com ajuda de Afrânio Burro, prefeito do Pretório, buscou orientar o jovem pupilo para uma política justa e humanitária.
 
A fórmula funcionou por cerca de 7 anos, mas começou a desandar em 59 quando Nero mandou executar Agripina. Sêneca acabou se retirando da vida pública em 62. Nesse período produziu seus últimos tratados: "Naturales Quaestiones" (Problemas Naturais), "De Tranquillitate Animi" (Sobre a Tranqüilidade da Alma), "De Vita Beata" (Sobre a Vida Beata) e as "Epistolae Morales" (Epístolas Morais), dirigidas a Lucílio, em que reúne conselhos estóicos e prega uma fraternidade universal muito próxima ao cristianismo.
 
Em 65 foi acusado de participar na conspiração de Pisão, que planejava o assassinato de Nero. Sem direito a julgamento, foi forçado ao suicídio, que cometeu cortando os pulsos serenamente na presença de vários amigos.
 
Eis um trecho das "Epistolae Morales":
 
"Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade.
 
Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o  olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal.
 
Qual é esse cabedal?
 
Tu mesmo, e a melhor parte de ti.
 
Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto.
 
Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
 
Em que consiste o verdadeiro bem - quereis saber - e qual é a fonte de onde emana?
 
Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho.
 
Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo, ou que, mesmo sem entusiasmo, a eles se deixam levar pelo acaso, como poderiam encontrar, eles que são tão hesitantes e indecisos, uma certeza, um ponto de apoio? São raros os que se guiam por conselhos e por eles administram os seus negócios. A maioria não tem um modo de proceder regular, mas deixa-se arrastar como os destroços que flutuam nos rios. Uns, retidos em águas tranquilas, são carregados brandamente; outros derivam ao sabor da corrente; eis este que a onda, perto da margem, nesta depôs languidamente; aqueles, presos no turbilhão, correm a se perder no mar. Temos, pois, de determinar qual deva ser o objecto do nosso querer, e a ele nos ater com perseverança.
 
Eis agora o momento de saldar a minha dívida. Vou-te pagar com um dito do teu caro Epicuro, que finalizará a carta de hoje:
 
"É penoso estar sempre no começo da vida."
 
Ou, se o pensamento ganhar maior relevo:
 
"É viver mal começar sempre a viver."
 
 - Como isso? - perguntas.
 
O dito reclama, com efeito, uma explicação.
 
Uma vida assim é sempre imperfeita. Ora, não se pode estar pronto para morrer se apenas se começou a viver.
 
Façamos como se tivéssemos sempre vivido bastante: esta condição, o homem que prepara com exactidão a trama da sua vida, não a cumpre.
 
Não penses que o caso se aplique a um pequeno número de pessoas; é quase que o de toda a gente.
 
Alguns começam no momento em que é mister acabar.
 
Tu te espantas? Eis algo com que te espantares ainda mais: alguns deixaram de viver antes mesmo de ter começado."
 
(imagem: "Hut", arte conceitual do iraniano Akram Kasravi Fard)

1 de mar. de 2013

RIO 448



O Rio de Janeiro completa 448 aninhos hoje.
 
Viva o Rio! E viva a Floresta da Tijuca, onde até o Indiana Jones conseguiu se perder.
 
A título de curiosidade, "tijuca" vem do tupi, e significa significa "água podre": "ty" (água) e "îuk" (podre), que era como os índios chamavam o mangue da lagoa da Tijuca por causa de suas águas paradas.
 
A floresta como hoje a conhecemos é fruto do reflorestamento sistemático que teve início ainda no tempo do segundo reinado. O primeiro responsável pela recuperação da floresta foi o major Archer da polícia militar que contando com o trabalho de seis escravos plantou cerca de 100 mil árvores na região. Seu substituto foi o barão d'Escragnolle que além de seguir com o reflorestamento preocupou-se com o paisagismo, transformando a floresta em um parque com áreas de lazer, fontes e lagos.
 
Entre as dezenas de trilhas e inúmeras vistas espetaculares e surpresas que a Floresta da Tijuca reserva aos seus visitantes, está a Ponte Job Alcântara, erguida em 1862 por ordem do barão de Taunay.

E DE REPENTE ME BATEU UMA SAUDADE


BOM DIA!!!
 
Só vi os Lençóis lá de cima. É uma área tão extensa, que até visto do alto o intricado tecido das lagoas e córregos cercados de areias brancas causa impressão. Mas é olhando assim, de perto, que a gente percebe a maestria do vento, o Mestre Escultor da natureza.
 
Em escala infinitesimalmente menor, assim eram as dunas da praia do Imbé, quando o Imbé ainda era aquela prainha pra onde ia muito pouca gente porque não tinha "nada pra fazer", além de caminhar e curtir a natureza. Era onde eu passava as tardes de verão explorando e vivendo aventuras fantásticas.
 
Entre as dunas e o mar, havia ainda um banhado por onde corriam as águas doces do Braço Morto com seus dois lagos: um coberto por vegetação onde à noite a gente podia pescar camarão, e o outro ao pé de uma duna alta onde com sorte a gente pesacava um linguado, e que também era palco dos "esportes aquáticos" que costumávamos inventar.
 
As dunas da minha infância foram cobertas por tijolos, argamassa, concreto e jardins gramados. As lagoinhas que lá haviam, foram substituídas por piscinas plásticas. E as crianças que lá veraneiam vivem só as aventuras enlatadas distribuídas em série pelos canais de televisão enquanto os adultos se queixam do calor, do sol, dos mosquitos e da falta do que fazer nos dias de chuva. E se faz sol, toca a apressar todo mundo porque se saírem tarde de casa, não vai ter onde estacionar o carro.
 
Do Braço Morto restam um riachinho mal-cheiroso e um pequeno lago urbanizado. Onde antes só se ouvia o assovio do vento, hoje toca tudo que é cacofonia comercializada como "música".
 
Mas o vento é teimoso e segue tentando trazer de volta à terra as areias do mar. E o Braço Morto vez por outra se revolta inundando as ruas e casas que usurparam seu lugar.
 
A consciência ecológica chegou tarde demais para impedir a destruição do santuário do Imbé, que morreu para mim com as dunas e o Braço Morto.

ENCHEU