25 de ago. de 2013

DCC


A moça aí da foto é uma fazendeira do Nepal.

Ela está polinizando uma macieira cuidadosamente a mão, florzinha por florzinha.

É um processo lento e cansativo, mas sem ele, não haverá maçãs na primavera; porque as abelhas operárias (que fazem esse serviço de forma muito mais rápida, barata e eficiente), praticamente sumiram da região.

Estarão fazendo greve?

Não.

Estão sendo extintas: nossa brilhante "civilização" não precisou muito mais que 50 anos de "avanços tecnológicos" para mais essa "conquista".

Não vou me estender sobre mais essa imbecilidade humana. Prefiro compartilhar 20 coisinhas que aprendi sobre as abelhas pesquisando sobre o assunto:

1 - A família Apoidae (da qual descendem as abelhas que conhecemos) surgiu na Terra com as primeiras flores, há cerca de 100 milhões de anos. O gênero Ápis, que engloba todas as espécies atuais se formou há cerca de 30 milhões de anos.

2 - Pelos registros históricos, a apicultura como atividade econômica já era praticada no Egito a 2.400 anos antes de Cristo. Mais recentemente, arqueólogos italianos localizaram colmeias de barro na ilha de Creta datadas de 3.400 a.C; e sabe-se que os sumérios já utilizavam o mel em 5.000 a.c.

3 - Abelhas têm quatro asas, seis pernas, dois olhos compostos feitos de muitas, muitas lentes e três olhos simples no topo da cabeça que são sensores de luz.

4 - O cérebro de uma abelha é oval e tem o diâmetro de uma semente de gergelim, ainda assim tem uma capacidade extraordinária de aprender e lembrar coisas e é capaz de efetuar cálculos complexos.

5 - Uma abelha operária vive até 4 semanas entre a primavera e o verão, e 6 semanas no inverno; enquanto a rainha vive de 2 a 3 anos (há registros de até 5) e no verão chega a botar 2.500 ovos por dia; por ano, a rainha pode botar até 200 mil ovos.

6 - Abelhas só picam quando sentem-se ameaçadas ou para defender a colmeia, e são precisas 1.100 picadas para matar uma pessoa (à exceção dos alérgicos, é claro).

7 - Abelhas dançam para informar as outras sobre a localização e trajeto para se chegar às fontes de alimentos que encontram em distâncias que vão de 91 metros a a 4 quilômetros. A descoberta desse processo em 1945 rendeu a Karl von Frisch o único Prêmio Nobel da história outorgado a um estudo sobre comportamento animal.

8 - Em uma única viagem uma abelha visita de 50 a 100 flores para encher seu aparelho coletor, um órgão separado do seu sistema digestivo que é usado para transportar o néctar das flores.

9 - Abelhas forrageiras firmemente comprometidas com suas tarefas, realizam cerca de 30 viagens por dia. Usando sua longa tromba em formato de canudo (o probóscide), elas coletam o néctar de flores e ervas nativas descrevendo um fio dourado que mantém o mundo em flor.

10 - Para polinizar um hectare de macieiras (cerca de 500 mil maçãs) são necessárias 80 mil abelhas; ou seja, cada abelha poliniza cerca de 6,25 maçãs.

11 - As asas das abelhas batem 200 vezes por segundo, originando o zumbido que lhes é característico; e elas podem voar a 24Km/h e podem percorrer uma distância total de 9,5 km.

12 - Abelhas podem perceber movimentos de 0,003 segundos - para dar uma ideia, humanos percebem até 0,02.

13 - Abelhas têm um senso de olfato tão preciso (são 170 receptores de odor) que podem diferenciar centenas de variedades de flores e saber se uma flor está carregada de pólen ou néctar a metros de distância.

14 - Por ser higroscópico (capaz de absorver e reter umidade de forma que o mofo e as bactérias que o tocam percam umidade e morram), o mel tem duração indefinida: arqueólogos encontraram mel perfeito para o cosumo datado de mais de 3 mil anos!

15 - Em toda a sua existência, uma abelha operária produz 1/12 colher de chá de mel.

16 - Abelhas não nascem sabendo fazer mel: as abelhas jovens são ensinadas pelas mais velhas.

17 - A colmeia é um super-organismo com odor único que identifica seus integrantes e que reúne entre 20 e 60 mil indivíduos trabalhando juntos como se fossem uma entidade única. Fora da colméia, uma abelha não vive mais de 24 horas.

18 - Durante o inverno as abelhas se alimentam de mel e pólen comprimidos em bolas para manter a temperatura e devidamente estocados no interior da colméia que, por sinal, tem uma temperatura interna similar à do corpo humano - entre 35 e 36º.

19 - Para produzir 1Kg de mel, as abelhas de uma colmeia precisam visitar cerca de 1 milhão de flores, viajado 144.841 quilômetros - ou três voltas e meia em nosso planeta; mas em termos de consumo, uma abelha necessitaria apenas 23 gramas de mel para dar a volta ao mundo.

20 - Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), as abelhas, sobretudo as silvestres, polinizam 71 de pouco mais de 100 culturas que correspondem a 90% da oferta mundial de alimentos.

Agora que você também aprendeu isso, talvez possa entender a importância das abelhas para a nossa vida e a real dimensão do Distúrbio do Colapso das Colônias. Se quiser saber mais sobre o assunto, siga este link e leia por você mesmo - é uma busca simples no Google, para cada um escolha qual link seguir: que não se diga que estou tentando manipular ninguém.

Muitos anos atrás, Einsten, que não era nenhum xiita ecologista falou:

Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora; sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana.

Dito isso, use o bom senso:

  • A criação industrial de abelhas está alterando a sua genética e diminuindo a diversidade de espécies.
  • A agricultura intensiva (essa da monocultura que planta as ditas "commodities" mais para a especulação nas bolsas de valores do que para a alimentação) faz uso intensivo de pesticidas por pulverização (ecologistas afirmam que 90% do pesticida pulverizado por aviação sequer chega ao solo: as partículas de veneno ficam em suspensão no ar, sendo tanto carregadas pelo vento para contaminar solos e lençóis de água a quilômetros de distância; ou evaporam indo se juntar às partículas de água carregando as nuvens de veneno tóxico; a percentagem é menor quando a pulverização é feita direto sobre as lavouras, mas existe mesmo assim).
  • Os transgênicos (que já vêm envenenados de "fábrica" - é assim que eles "evitam" as pragas) estão cada vez mais presentes nas lavouras comerciais.
  • Finalmente, some a isso a poluição, a radiação eletromagnética, os parasitas e vírus super-resistentes (resultantes de um processo seletivo idêntico ao que criou os super-micro-organismos resistentes a todos os antibióticos de uso humano)
Onde isso vai dar?

Ainda não está convencido do problema?

Assista o filme:


Sabe algum outro fato curioso/interessante sobre as abelhas? Comente e compartilhe!

13 de jul. de 2013

HÁ PERIGO NA ESQUINA


Tenho observado recentemente e com muita apreensão o recrudescimento das animosidades e provocações nas redes sociais. Enquanto uma boa parte dos internautas se alterna entre suspirar, reclamar, ignorar, bloquear ou mesmo evitar o acesso às redes sociais para não se incomodar, outra boa parte vem se digladiando e trocando insultos e acusações num lamentável espetáculo de crescente virulência.

Isso vem fazendo particularmente do Twitter e do Facebook territórios bastante hostis quando não estressantes; quando o propósito é justamente o contrário.

Não digo que devamos sair por aí jogando confete e cantando marchinhas de carnaval como se nada tivesse acontecendo, até porque vivemos um momento extremamente delicado na vida cívica deste país, pois todas as instituições estão em cheque: executivo, legislativo, judiciário, mídia e órgãos representativos de classe que são os pilares em que se assenta constitucionalmente nossa república são alvo não mais de mera desconfiança, mas de aberta hostilidade.

Mas muito, muito mais do que gritar, xingar e espernear; precisamos refletir.

E, acima de tudo, deixar de lado as disputas sobre qual cartilha ideológica é a "melhor" e nos unirmos por uma causa maior que é o nosso país, que apenas por brevíssimos momentos na História pareceu saber quem era e para onde pretendia ir.

Temos a chance histórica de mostrar a cara do Brasil e erguer finalmente uma nação, mas a estamos desperdiçando num bate-boca inflamado que não vai nos levar a lugar algum.

Honestamente, não me importa se você é de "direita" de "esquerda" ou de lado nenhum. Já vivi o suficiente para saber que quando a gente senta e conversa civilizadamente, olho no olho, com pessoas e como pessoas, acaba encontrando vários pontos em comum.

A quem serve nossa desunião? Que interesses estão se beneficiando deste momento de confusão generalizada?

Enquanto o país inteiro critica os políticos, está ocorrendo um aumento generalizado nos preços dos produtos que consumimos diariamente. Há desabastecimento? As fábricas estão fechadas? A economia do país parou?

Não. Todo mundo segue produzindo e consumindo como sempre; mas enquanto nos ocupamos em culpar os políticos por tudo de errado que há neste mundo (sim, eles têm de fato muita culpa no cartório e merecem toda a execração pública de que são alvo); os donos dos supermercados, das bombas de combustível, prestadores de serviços e os bancos estão aproveitando para lucrar um pouquinho mais.

Por quê o litro de leite a mais de dois Reais? Por acaso as vacas enfiaram máscaras do Guy Fawkes e se declararam em greve por tempo indeterminado?

Como é que o valor das mesmas compras que eu faço toda a semana há anos de repente saltou mais de 40%? É a volta da inflação?

Se fosse, os juros dos bancos também teriam disparado, porque se há alguém neste país bem atento ao valor do dinheiro, esse alguém é um banqueiro. Mas não: as taxas de juros subiram 0,5%.

E ninguém reclama.

De quê adiantam menos 20 centavos na passagem de ônibus, se estamos pagando mais 150 Reais na conta semanal do supermercado? Se a hora do estacionamento na área central subiu em média 20% nas últimas semanas?

Adiantam para os donos dos supermercados, dos estacionamentos, dos postos de gasolina e por aí a fora; porque a insatisfação já está condicionada a culpar a política e os governos por tudo que acontece de errado, como se se tratassem de entidades estranhas à própria sociedade; quando na verdade nada mais são do que um espelho apontado para nossas caras sobre tudo que há de errado no dia-a-dia em nossas vidas privadas.

Estou falando de supermercados, bombas de gasolina, estacionamentos e etc para dar um exemplo de como as raposas sabem se aproveitar sempre que o galinheiro pega fogo.

E estamos agindo como as galinhas: correndo e gritando para todos os lados sem noção, sem razão, sem rumo e sem direção; batendo asas e nos bicando enquanto as raposas fogem com nossos pintos e pisoteiam nossos ovos.

O momento é sério.

Digo mais: gravíssimo. Porque ao mesmo tempo que desconfiamos como sociedade de tudo que está estabelecido na política, estamos por demais polarizados para apresentar novos nomes e alternativas com um mínimo de consenso mesmo dentro das mesmas correntes ideológicas.

Não estamos dialogando, mas trocando ofensas como torcidas de futebol enquanto os jogadores, satisfeitos com o empate, ficam no campo fazendo corpo mole e esperando pra ver se o juiz apita o final da partida ou chama a polícia para separar as torcidas.

(a ser continuado)

6 de jul. de 2013

O EXEMPLO DA ISLÂNDIA


Os acontecimentos recentes na Islândia não estão sendo noticiados em nenhum grande veículo de comunicação.

Porque se tratam do restabelecimento de um sistema de governo legitimamente participativo e democrático. E isso assusta os plutocratas que se pretendem senhores absolutos do planeta.

Todo mundo lembra quando em plena "crise" de 2008 foi alardeado que a Islândia estaria quebrada.

E na verdade estava.

Mas, ao contrário da Grécia, de Portugal e da maioria do outros países afetados pela orgia dos bancos que deflagrou a dita "crise" de 2008; a  Islândia hoje vai muito bem obrigada.

Para quem não lembra, vamos recordar:

Tudso começou logo após a virada do milênio, mais precisamente em 2003, quando seguindo a moda mundial, os islandeses aderiram ao neo-liberalismo elegendo um governo de centro-direita que logo tratou de privatizar os três bancos do país (Landsbanki, Kaupthing Bank e Glitnir). Tão logo trocaram de mãos, as três instituições foram tratar de aumentar os lucros atraindo investidores estrangeiros com a oferta de investimentos online com altas taxas de retorno - só não contavam para ninguém que essas altas remunerações só eram possíveis porque estavam investindo pesado nos papéis podres do Lehman Brothers.

Por cinco anos a ciranda funcionou e fez os islandeses ricos e prósperos.

Mas quando a bolha estourou em 2008, os bancos islandeses foram à falência e a moeda nacional, o Kroner desvalorizou 85% em relação ao Euro da noite para o dia.

O país quebrou.

Desesperado, o Primeiro Ministro de então, Geir Haarde, negociou um empréstimo de 2,5 milhões do FMI, ao qual os países do Norte europeu adicionaram outros 2,5 milhões.

Em troca, tanto o FMI como os vizinhos do Norte exigiam que o governo islandês implementasse medidas drásticas (porque não dizer draconianas) impondo ao país a mesma cartilha de privatizações e cortes em investimentos públicos que se vê na Grécia, em Portugal, na Espanha e tantos outros países - e que a gente aqui no Brasil conhece bem, porque nos manteve no atraso de dívidas impagáveis, baixo crescimento, investimentos em serviços públicos próximos ao 0, inflação galopante e virtual desmonte do setor produtivo nacional (à exceção da mineração e agropecuária) por mais de 40 anos.

Só que os islandeses não toparam pagar esse mico.

Os 320 mil cidadãos da pequena ilha foram às ruas, armaram barricadas e meteram a boca no trombone até derrubar o governo.

Uma coalizão de esquerda foi então eleita em 2009.

Mas esse novo governo, apesar do discurso anti-liberal, mostrou fraqueza ao ceder à pressão internacional pelo imediato pagamento de 3 milhões de dólares; propondo como solução um imposto de 100 Euros a serem pagos mensalmente por cada cidadão islandês pelos próximos quinze anos (os juros eram de 5,5%).

À ideia de que cada cidadão deveria pagar do próprio bolso uma dívida contraída pela irresponsabilidade administrativa de instituições privadas, o povo respondeu com um sonoro NÃO.

Ouvindo o clamor das ruas, o chefe de Estado Olafur Ragnar Grimsson recusou-se a ratificar a lei que tornaria os cidadãos da Islândia responsáveis diretos pelos débitos contraídos pelos bancos privados; e convocou um referendo.

Obviamente a pressão internacional se intensificou sobre a Islândia. Holanda e Reino Unido ameaçaram sérias retaliações que isolariam o país.

Enquanto os islandeses se preparavam para votar, banqueiros internacionais aumentaram a pressão e numa verdadeira campanha de terror ameaçaram bloquear os auxílios do FMI; o governo da Inglaterra ameaçou congelar as contas de cidadãos islandeses nos bancos do Reino Unido. E muito mais, como fica explícito no relato de Grimsson:

Nos disseram que se recusássemos as condições da comunidade internacional, nos tornaríamos a Cuba do Norte.

E ele próprio acrescenta sabiamente:

Mas se tivéssemos aceitado, nos tornaríamos o Haiti do Norte.

No referendo realizado em março de 2010, 93% dos cidadãos islandeses votaram contra o pagamento do débito.

O FMI imediatamente congelou as ajudas.

Mas o pequeno país não se intimidou.

Ao contrário, movido pelo renovado vigor nacionalista, enquanto a nação inteira arregaçava as mangas para trabalhar na reconstrução da economia do país, foram iniciadas investigações civis e penais contra os responsáveis pela crise financeira culminando com o pedido de prisão à Interpol de diretores e presidentes dos bancos responsáveis pela quebradeira.

E não parou aí: a essa altura, a população queria mais mudanças e garantias; e decidiu que era hora de revisar a Constituição do país a fim de garantir que ficasse para sempre livre do poder exagerado das finanças internacionais e do dinheiro virtual. (A Constituição então em vigor era praticamente uma réplica da Constituição da Dinamarca, de quem a Islândia se tornou independente em 1918: a única alteração feita fora a troca da palavra "rei" por "presidente".)

Para redigir essa nova Constituição, ao invés de políticos, foram eleitos 25 cidadãos, dentre 522 adultos sem ligações com qualquer partido político recomendados por pelo menos 30 outros cidadãos.

E mais: o documento foi escrito via internet. As reuniões dos constituintes foram todas transmitidas ao vivo integralmente e abertas a participação e comentários de qualquer cidadão do país.

Esta nova Constituição será submetida ao parlamento para aprovação depois das próximas eleições.

A Islândia não só sobreviveu à "crise" de 2008, como se reinventou como país.

Isso, porque soube se unir e impedir que o grande capital internacional praticasse no país o mesmo estelionato que vem praticando contra as populações da Grécia e de Portugal (para ficarmos nos exemplos mais óbvios) que estão privatizando a preço de banana setores estratégicos e rentáveis das suas economias para o pagamento de dívidas contraídas por bancos privados contra bancos privados.

3 de jul. de 2013

Yo, DJ!


Demorou, mas saiu!

You, DJ! - Barbies Versus Panda é um vídeo de animação dirigido, roteirizado, produzido, animado e editado por esta que vos fala e que, somadas as horas exclusivamente dedicadas em sua produção, levou 4 meses para ser concluído.

Espero que gostem.

Aqui, a versão do mesmo vídeo com as legendas em português:


29 de jun. de 2013

A SÍNDROME DE CASSANDRA


Devota servidora de Apolo, Cassandra recebeu o dom da previsão ainda criança quando uma serpente lambeu seu ouvido enquanto dormia no templo de Apolo. Eventualmente a menina cresceu tornando-se uma jovem de exuberante beleza e tão dedicada ao deus que Apolo se apaixonou e lhe concedeu o dom da profecia. Mas quando Cassandra o rejeitou, Apolo lançou a maldição de que ninguém jamais viria a acreditar nas profecias ou previsões da jovem.

Dali em diante, Cassandra foi tida como louca e suas inúmeras previsões de catástrofes e desgraças foram desacreditadas, ignoradas e até ridicularizadas. Tróia só foi destruída porque Príamo ignorou suas desesperadas súplicas para que destruísse o cavalo engendrado por Ulisses.

É desse capítulo da mitologia grega que deriva o termo "Síndrome" ou "Metáfora de Cassandra", expressão cunhada pelo filósofo francês Gaston Bachelard em 1949 numca crítica racional à crença popular de que eventos podem ser previstos ou conhecidos de antemão.

Embora Bachelart e vários outros filósofos e estudiosos tenham produzido ampla argumentação em sentido contrário à prática; a verdade é que ela é largamente empregada como "verdade científica" por governos e instituições privadas. O sistema financeiro, espinha dorsal da economia mundial atualmente, recorre à "futurologia" de fórmulas matemáticas e pesquisas de opinião para divisar suas estratégias de lucro.

Se olharmos de perto, o marketing nada mais é do que a prática da "futurologia" com base em procedimentos científicos comprovados.

Isso gera uma dissociação estrutural entre a realidade objetiva e o cenário de realidade que o capital busca estabelecer para ampliar ou manter mercados instrumentado por uma pseudo-ciência especializada em elaborar teorias baseadas em dados subjetivos apurados objetivamente.

Exercícios especulativos como os do Relatório de Cassandra servem de base para que marketeiros de todo o mundo elaborem estratégias de comunicação para marcas e instituições (inclusive as governamentais).

E no fogo cruzado das campanhas publicitárias desenvolvidas a partir de especulações baseadas numa amostra limitada cultural e geograficamente do universo (as pesquisas iniciais limitam-se ao território norte-americano, sendo posteriormente repetidas em outros pontos geográficos), a perspectiva histórico-cultural que molda a consciência cívica, a ética e, porque não dizer, a moral das novas gerações e seu exercício vem sendo crescentemente substituída pelo consumo como forma última de manifestação do ser no mundo.

Um exemplo claro de como operam esses mecanismos é visível no seguinte documento elaborado pelos "experts" do Grupo de Inteligência, uma divisão da Creative Artists Agency (CAA); empresa privada de pesquisa com foco na juventude e dedicada a identificar emergentes movimentos de cultura popular e traduzi-los em conhecimento relevante para empresas, marcas e instituições. Há mais de 15 anos o Grupo de Inteligência publica trimestralmente o Cassandra Report, o principal estudo cultural em curso sobre jovens consumidores e tendências culturais:


Para publicação imediata,
22 de Maio de 2013


Grupo de Inteligência: Cassandra Report Retrata as Crianças Independente e Rebeldes com Causa da Geração Z

Los Angeles, CA - Conforme o novo relatório Cassandra que pesquisou crianças de 7 a 13 anos e seus pais, a Geração Z pode ser jovem, mas seu pragmatismo e independência a faz a geração mais desafiadora para os marketeiros. Tendo crescido constantemente conectados, os membros da Geração Z são práticos, motivados, curiosos e auto-suficientes, em grande parte devido à tecnologia. Como os primeiros verdadeiros "nativos digitais", eles sentem-se poderosos por seu acesso à informação e buscam influenciar os produtos e conteúdos que consomem.

"As crianças da Geração Z têm conversas online sobre marcas muito antes das companhias sequer cogitarem-nos como alvos, tornando crítico colocar-se à frente entendendo suas vontades e necessidades", disse Jamie Gutfreund, Chefe de Estratégia do Grupo de Inteligência. "Aqueles que estão assombrados pelos irmãos mais velhos da Geração Y acharão esta geração de pragmatismo rebelde ainda mais potencialmente elusiva, pois eles exigirão relaçãos ainda mais íntimas e honestas com as marcas, artistas e instituições que seguem."

Baseado no Relatório, que inclui 800 entrevistas online com crianças de 7 a 13 anos e seus parentes de todo o país, o Grupo de Inteligência lançou 10 dicas de marketing para a Geração Z:

1 - Toque seu espírito empreendedor: os Z's têm arranque automático, estão ansiosos para causar um impacto, uma mudança e deixar um nome para si. Marcas podem ser um recurso para percepções e investimentos que lancem esses jovens num caminho inovador pioneiro.

2 - Ouça e responda a eles: os Z's são multitasking, vários pensamentos simultaneos os mantêmconectados a várias correntes de conteúdo ao mesmo tempo - e eles esperam que as marcas sigam o ritmo de sua conversa fogo-rápido, consumo de conteúdo e perguntas e respostas. Marketeiros precisam abraçar e incorporar a virada em tempo real que os Z's almejam.

3 - Convide-os para em seu processo de decisão: o ritmo em tempo real da interação online levou os Z's a esperar serem ouvidos pelas marcas, seja quando reclamam, perguntam, elogiam ou sugerem alguma coisa. Essa geração quer sentir que seus "inputs" têm impacto, e os Z's amam ter suas ideias consideradas e realizadas.

4 - Deixe-os tentar antes de comprar: os Z's são hiper-pesquisadores e caçadores de barganhas, e esperam poder testar nossos produtos antes de se comprometerem com qualquer coisa. Marcas deviam prover a esses experientes jovens consumidores oportunidades de testar, brincar e vivenciar pré-compras tanto virtualmente (por realidade aumentada) como fisicamente (por períodos de teste e ofertas de amostras).

5 - Certifique-se de estar inovando e evoluindo digitalmente: os Z's vêem pouca distinção entre os mundos físico e digital. Eles buscam similar engajamento em ambos. Marketeiros deveriam começar a divisar formas de integrar mais profundamente suas comunicações físicas e digitais, criando produtos, conteúdo e jogos que exibam elementos tangíveis e virtuais trabalhando juntos e bem.

6 - Encoraje-os a serem criativos com seu produto: os Z's estão sempre em busca de novas oportunidades para exibir suas mais inventivas, belas e brilhantes criações. Marcas deveriam fornecer plataformas nas quais eles possam compartilhar seus projetos, ter ideias e inspiração e interagir com jovens com o mesmo sentimento, e proeminentemente exibir seus melhores trabalhos para lhes dar um momento sob os holofotes.

8 - Inspire-os a mudar o mundo: a Geração Z considera que é dado e uma necessidade reciclar, conservar e fazer escolhas verdes, e está participando alguma forma de serviço comunitário através da escola, família ou igreja em números disproporcionais. Marcas podem ser grandes fontes de informação e motivação para que esses jovens melhores suas escolas, comunidades e o mundo.

9 - Construa logo um relacionamento: como confiança e transparência são marcadores sociais de grande importância para a Geraçao Z, marketeiros deveriam envolvê-los em seu nível e oferecer experiências que eles possam apreciar em sua idade atual - mesmo se o que estão vendendo não pareça iminentemente aplicável a crianças. Ganhar sua confiança agora terá poder aglutinados quando esses jovens indivíduos ingressarem na idade adulta.

10 - Mostre o lado luminoso: a Geraçao Z pode ter nascido realista, mas eles ainda desejam e respondem a mensagens de esperança e otimismo. Marcas podem realçar as perspectivas dos Z's mostrando os lados mais iluminados da vida, encorajando-os a encontrar e compartilhar esses momentos luminosos por si mesmos. Mensagens de marketing podem lembrá-los que em um mundo às vezes assustador eles ainda podem encontrar oportunidades e pessoas positivas.


(Foto: estátua de Cassandra no Parque do Louvre, em Paris, em 2012, por Paula Figueiredo)

23 de jun. de 2013

CARLA TOLEDO DAUDEN, (MAIS) UMA BRASILEIRA


Carla Toledo Dauden é uma jovem paulista que mudou com a família para Florianópolis aos 12 anos buscando levar uma vida mais pacata e humana depois que seu pai somou-se à infindável lista de vítimas da violência brutal na maior cidade da América do Sul. Como queria ser cineasta e a família podia ajudar, mudou-se para a Califórnia, onde estudou cinema na California State University, em Long Beach; destacando-se como aluna e recebendo vários prêmios. Sim, a Carla não tem só a "sorte" de ter publicado um vídeo que falava exatamente o que todos nós tínhamos entalado na garganta (para refrescar a memória, leia aqui um post do Juca Kfouri de 5 de outubro de 2010 sobre entrevista do presidente do Internacional, Vitorio Piffero, a Juremir Machado da Silva, do Correio do Povo: http://blogdojuca.uol.com.br/2011/10/o-cartel-de-empreiteiras-da-fifa/); trata-se de um vídeo bem produzido, com uma excelente fotografia e narrado numa linguagem simples e direta.

Meu único senão é que o vídeo passou praticamente batido no lobby das empreiteiras amigas da FIFA que vão seguir explorando estádios pelo Brasil 18 anos depois da copa ter passado. Porque, nas palavras do próprio Juca Kfouri:

A Copa do Mundo precisa dar lucro a um grupo de parceiros.

E ele disse mais, lá atrás, em 2010, quando essa massa nas ruas poderia ter mudado alguma coisa:

Na África, já se cogita derrubar alguns dos estádios construídos para a Copa de 2010.
No Brasil, só cartolas, alguns políticos e empreiteiras ganharão com a Copa do Mundo.
O Inter e o Grêmio têm tudo para sair como perdedores.
Serão perdedores felizes.
Farão papel de modernos.
Moderno é pagar aluguel para morar na própria casa.
É o neoliberalismo da CBF e da Fifa
Um neoliberalismo antigo, o dos negócios bons para alguns e ruins para muitos.
(grifos meus)

Tendo já ultrapassado os 2 milhões de hits no YouTube, espero que o vídeo ajude a impulsionar a carreira dessa garota que gostaria que voltasse logo ao Brasil para juntar sua força e talento às dezenas de milhares de novos roteiristas, diretores, técnicos e atores que despejamos nas ruas todo o final de semestre para acabarem vendendo calças ou trabalhando em comerciais de televisão; porque a produção cinematográfica cujos projetos conseguem financiamentos e incentivos oficiais no Brasil é um clubinho fechado no qual as verbas são divididas entre os mesmos de sempre.

Talvez seu talento e senso de oportunidade, ajude a dar visibilidade à luta anônima e diária dessas dezenas de milhares de jovens que só querem poder sobreviver da profissão que escolheram livres do meretrício de trabalhar para as grandes redes de televisão.

Essa é a minha sugestão a você, Carla: converse com seus colegas de profissão aqui e faça outro vídeo denunciando a tristeza que é ter que fazer cinema do próprio bolso num país que investe bilhões em novelas patéticas e propaganda.

Confesso, Carla, que logo que vi o vídeo, formei uma ideia equivocada a seu respeito. Mas depois de ler várias entrevistas, fui entendendo melhor quem é você, o que pensa, e imagino fazer uma ideia do que quer.

Minha opinião começou a mudar quando perguntada por Ruth Aquino da Revista Época sobre uma opinião acerca dos movimentos, você respondeu lucidamente:

Como eu não tenho envolvimento direto com as manifestações, acho até irresponsável eu dar a minha opinião. Tento evitar bandeiras. Quando fiz o vídeo, bem antes da onda de protestos, queria só fazer minha parte e lutar para que nossas vozes fossem ouvidas. Era só esse meu papel no jogo. Mostrar que Brasil não é só futebol e que há problemas. Queria fazer pressão para que mudanças ocorram. Muitos dos manifestantes me parecem perdidos. E agora você não sabe mais quem está a favor de quê. Tem gente usando o meu vídeo para argumentar que o governo tem de cair. Botando palavras na minha boca. Tem gente falando que trabalho para a CIA e os Estados Unidos me pagaram para fazer esse vídeo!!! Não quero promover nenhum boicote à Copa. Estão postando coisas muito extremistas no meu Facebook. O que eu acho mesmo é que o povo tem que subir ao governo e não que o governo precisa cair. A paz tem que ser mantida a todo custo. Espero que todos se conscientizem disso e tenham bom senso. Quem gosta do Brasil não quer uma guerra civil.

(Grifos meus)

E tem a carta que você divulgou.

Acredito concordarmos que se tivesse sido lida por pelo menos metade das pessoas que andam distribuindo o vídeo, muita bagunça e violência poderiam ter sido evitadas.

Tomo a liberdade de compartilhar aqui, para que pelo menos as poucas pessoas que leem o meu blog a entendam melhor:

Oi gente!

Estou acompanhando com um misto de surpresa e temor o que vem acontecendo por conta do vídeo que postei no YouTube. Além de ser muito grata a todos aqueles que compartilharam e que têm contribuído com o debate construtivo, gostaria de pontuar algumas coisas importantes. Leiam isso como uma tentativa de me posicionar diante de críticas e, sobretudo, diante do uso do meu vídeo por parte de grupos que, definitivamente, não me representam.

– Repudio, veementemente, qualquer discurso que coloque em risco o Estado Democrático de Direito;

– Não sou favorável ao impeachment de ninguém. Não se utilize de meu vídeo defender essa ideia;

– Não faço parte nem simpatizo com nenhum partido político ou movimento social, apesar de não ser apolítica e de ter bastante clareza sobre minhas convicções ideológicas;

– Minha iniciativa não tem ligação alguma com os protestos contra o aumento da tarifa, embora eu seja totalmente solidária à causa, como a todas as outras que, de alguma maneira, e através dos movimentos sociais, tentam reverter as históricas injustiças sociais e a desigualdade em nosso País;

– A publicação do vídeo apenas coincidiu com os protestos. Confiram a data da postagem;

– Como explico no início da peça, uso o inglês apenas porque meu objetivo primeiro era falar com amigos e colegas americanos e do mundo, com a intenção de mostrar a realidade do nosso país e trazer atenção internacional ao tema. Consequentemente, essa atenção gera uma pressão maior para que mudanças ocorram.

– Por último, e principalmente, não tenho as respostas para tudo o que está acontecendo, não sou política ou ativista, apenas quis manifestar meus pensamentos. Acreditem, felizmente, nem tudo nesse mundo vem a partir de interesses financeiros ou políticos. Muito mais preparados para responder a essas perguntas estão as diversas organizações e movimentos sociais legítimos que estão lutando há bastante tempo, e diariamente, para que a Copa e as Olimpíadas não passem por cima dos direitos dos brasileiros.

Agradeço enormemente se puderem ajudar a espalhar essa mensagem e peço que não usem vídeo para causas que não condizem com as ideias acima.

Carla Toledo Dauden 

22 de jun. de 2013

AFINAL, QUE QUE É ESSE TAL DE "ANONYMOUS"?


Ainda busco uma explicação para os excessos, e não engulo o discurso oportunisticamente paternalista de que os vândalos são garotos revoltados com a falta de liberdade, até porquê tem muito menino e menina de classe média instigando a baderna e quebrando vidraça por aí.

Quanto mais observo, mais me parece que a frase do Samuel Johnson sumariza o que se vê por aí, particularmente quanto à larga apropriação indébita tanto do nome como do símbolo do Anonymous pelos mais diversos matizes ideológicos.

Um pouco de história faz-se necessário para contextualizar essa bagunça toda:

O Anonymous surgiu a partir de um grupo de amigos virtuais, em sua maioria usuários do forum /b/ no 4Chan, que a certa altura, indignados com a proliferação de material de pornografia infantil partiu para a ação, seguindo e expondo a identidade de pervertidos na internet.

O próximo alvo foi a cientologia, depois que o culto resolveu processar o Youtube pelos direitos autorais de um vídeo com Tom Cruise vazado pelo canal. Revoltada com a censura, a rapaziada deflagrou o "Projeto Chanology" que consistia em ataques de negação de serviço e trotes por telefone às sedes do culto espalhadas pelo mundo a fora. Quando o FBI começou a caçar e intimidar membros do grupo, numa declaração de guerra aberta, o Anonymous postou no Youtube o famoso vídeo "Mensagem para a Cientologia" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Message_to_Scientology.ogv), e logo em seguida, o vídeo "Call to Action" foi publicado também no YouTube, chamando usuários do site para manifestações em frente às sedes da cientologia pelo mundo a fora. Sabendo que o culto empreenderia uma violenta campanha de retaliação, acharam prudente aconselhar às pessoas dispostas a comparecer a essas manifestações que usassem máscaras para proteger suas identidades.

Como no 4chan todos os usuários postam como "Anonymous", a escolha do nome foi inevitável.

Isso foi bem antes de virar "legião", tanto que o refrão era:

Nós [Anonymous] somos apenas um grupo de pessoas na internet que precisa — de um tipo de saída para fazermos o que quisermos, que não seríamos capazes de fazer numa sociedade normal. ... Essa é mais ou menos a ideia. Faça como quiser. ... Há uma frase comum: 'faremos pelo lulz*. (*plural de "lol", que significa "laugh out loud", ou rindo às gargalhadas).

A adoção da máscara de Guy Fawkes que atualmente caracteriza o movimento veio em decorrência de um processo de crescente identificação do grupo com o personagem dos quadrinhos cult (posteriormente vertidos para a telona), pela agregação de mais e mais adeptos com crenças, pleitos e ideologias próprias expandindo não só seus objetivos mas sua área de atuação.

É só neste segundo estágio que o aforismo nós somos Anonymous. Nós somos Legião. Nós não perdoamos. Nós não esquecemos. Esperem por nós foi cunhado.

Para dar uma ideia da dimensão atual do Anonymous, em 2011 ele esteve envolvido diretamente na Primavera Árabe (Egito e Tunísia), na Malásia, na Síria, no Occupy Wall Street (e todos os eventos do gênero), na Operação DarkNet (que operou no submundo da internet fechando 40 sites de pornografia infantil, revelando de quebra as identidades de mais de 1500 pedófilos ao FBI e Interpol), na Nigéria, nos protestos contra a SOPA (Stop Online Piracy Act), na Polônia, contra o ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement); e agora chega ao Brasil no rastro do movimento pelos 20 centavos.

A única bandeira que se pode atribuir ao Anonymous é o princípio anarquista do "ninguém delega a palavra a ninguém". Essa é uma via de mão dupla: assim como o Anonymous não representa nenhum grupo específico, nenhum grupo, crença ou partido pode se alçar ao direito de se proclamar legítimo representante do Anonymous.

Mas há um porém, particularmente no que tange a essa balbúrdia que tomou de assalto a sociedade brasileira: não é porque não se alinha a este ou aquele partido que o Anonymous carece de conteúdo político.

Mas o que busca o Anonymous, afinal?

O Anonymous nada mais busca do que a aplicação prática do que está escrito na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América:

(...) todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo(...)

Simples assim. Mas as implicações são extensas.

1 - a declaração refere-se a "homens dotados pelo Criador" - isso exclui empresas e corporações, pois estes são entes artificiais criados com o objetivo precípuo do lucro mesmo que em detrimento do bem comum; atribuir-se a essas entidades o poder de definir políticas públicas (i.e.: influenciar a legislação criando penas de privação de liberdade em qualquer nível) é uma contratitio in terminis. Ou, curto e grosso: o que pertence ao âmbito comércio não tem legitimidade para legislar em causa civil.

2 - Vida, Liberdade e Busca da Felicidade são DIREITOS INALIENÁVEIS (não podem ser transferidos, delegados, removidos, divididos, alterados, manipulados e por aí a fora); ou seja, qualquer governo, empresa ou instituição que atente contra esses direitos inerentes à condição de ser humano é, por extensão, inimigo da humanidade.

3 - governos são instituídos pelos homens e para os homens; não para empresas ou corporações.

4 - qualquer governo que se torne destrutivo dos únicos fins a que deve se propor, que são a promoção da Vida, da Liberdade e da Busca da Felicidade dos homens a quem representa deve ser alterado, abolido ou destituído.

Curto e grosso, o Anonymous é a resposta da nova geração à massificação imposta pelo poderio econômico manipulador da política e da opinião pública que reduz indivíduos à condição de unidades produtoras-consumidoras de bens e ideias alienantes dos valores básicos inerentes à condição humana que são a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

Qualquer "anônimo" que levantar a voz em nome de interesses outros que a Vida, a Liberdade e a Busca da Felicidade, não é um Anonymous.

Se pracitar atos extremos de violência não é um Anonymous, pois está atentando contra a Vida.

Se levantar a voz contra qualquer bandeira, não é um Anonymous, pois é contrário à Liberdade.

Se seu discurso é o do ódio, da discriminação, seu discurso é contrário à Busca da Felicidade.

Ele é, na melhor das hipóteses, só mais um anônimo confuso sobre de onde veio e para onde vai.

Por isso está hoje nas ruas por mais baderna e menos bandeiras.


19 de jun. de 2013

A PRIMEIRA GALINHA QUE CANTA É A QUE BOTA O OVO


No meio da aula de ciências, o Pedrinho solta um pum.

Temendo ser alvo do bullying (pra usar um termo da hora), antes mesmo que o fedor se espalhasse, Pedrinho levanta, aponta o dedo e grita:

- FOI A MAGALI!!!

- O quê?!! - grita o resto da classe.

- O pum, vocês não estão sentindo??? - exclama Pedrinho ainda com o dedo em riste - A Magali deu um pum!

A classe explode em gargalhadas:

- Peidona! Peidona! Peidona!

Deu. Pronto. Por mais que falasse, que chorasse, que gritasse, que arrancasse os cabelos; nem trazer laudos médicos atestando que não comeu nem feijão, nem couve, nem repolho não só naquele dia, mas na semana inteira; livrou Magali da pecha de peidona.

Só foi pior: quanto mais Magali se esforçava para provar que não era uma peidona, mais gente se convencia que ela era.

- Cai fora, peidona! - desdenharam as meninas na hora do lanche.

- Aqui, peidona não senta! - provocaram os amigos entre os quais Magali sentava há meses na sala de aula.

- Não brinco com peidona. - argumentou sua melhor amiga dando as costas.

E daquele dia em diante, Magali ficou sozinha.

Mas isso não foi o pior: todas as outras crianças puderam dar puns à vontade; porque mesmo que o pum viesse lá do outro lado da sala, só podia ser culpa da Magali, "a peidona".

Num filme da Disney, Pedrinho um tempo depois estaria gritando por socorro porque seu fiel cãozinho Rex caíra num rio de águas perigosas. Do outro lado desse rio, Magali que estivera sozinha na floresta chorando suas mágoas, assistiria à cena, pularia na água arriscando a própria vida, salvaria Rex e no dia seguinte, em frente a toda a turma, Pedrinho confessaria ser ele o autor do famigerado pum, Magali viraria heroína e todos seriam felizes para sempre.

Mas como a vida está longe de ser um filme da Disney, Magali seguiu sendo alvo de todo o tipo de piadinhas e brincadeiras de mau gosto.

Como tudo que aprenderam com isso foi que todo mundo pode dar puns à vontade, desde que tenha uma Magali para culpar; os coleguinhas dela cresceram felizes e despreocupados: cada vez que alguma coisa parecia errada tudo que precisavam era que outro Pedrinho botasse a culpa em outra Magali.

Eventualmente cresceram, "ampliaram horizontes", como se diz; e cada um seguiu a sua vida mais ou menos independente dos demais. De acordo com seus talentos, capacidades e do quanto os pais puderam investir na sua educação, os coleguinhas da Magali se deram mais ou menos bem na vida.

O Pedrinho, por exemplo, virou político e foi parar em Brasília, onde segue dando puns e apontando Magalis. E tem até assessores especializados em descobrir qual melhor Magali para acusar, dependendo do fedor do pum. E como é simpático, fotografa bem e sempre tem aquele ar sério e honesto, todo mundo segue acreditando nele.

"E a Magali?", pergunta você.

Como não tinha amigos, a Magali se refugiou nos livros e nos estudos. Formou-se em Direito, fez mestrado, doutorado, pós-doutorado; escreveu dezenas de teses e outros tantos livros desses que quase ninguém lê. Para além disso, é voluntária em várias ONGs dedicando seu tempo livre a melhorar a vida das pessoas.

Outro dia ainda, por ocasião de um grande escândalo de desvio de verbas em que Pedrinho estaria implicado, os dois foram convidados a debater na tevê.

Foi quando ao vivo, e em rede nacional, logo depois das apresentações, o Pedrinho fez aquela cara séria que faz os fotógrafos dispararem seus flashes:

- Magali... Magali... Fomos colegas de escola, não? - e sem dar tempo para que Magali dissesse sim ou não, emendou - A peidona! Agora eu lembrei! Era assim que a gente chamava você na escola.

E dali em diante, ninguém mais quis saber do escândalo: todo mundo só falava dos puns da Magali.

11 de jun. de 2013

URBANIDADE


10 de jun. de 2013

OS MENINOS-FOCA


No meu sonho tem uma praia, onde as crianças vão brincar.

São crianças de todo o mundo, porque crianças são todas iguais.

A praia é muito bonita, cheia de árvores e pedras enormes.

Lá nunca chove, e também nunca faz frio.

A areia é branca e fininha, macia de se pisar.

Com ela se fazem castelos de verdade (com reis, rainhas e tudo mais), que o mar nunca vem derrubar.

A água é rasa e quentinha, e o mar é calmo como uma lagoa, lisinho que nem um espelho refletindo as nuvens no céu.

Onde a praia acaba tem umas pedras pretas bem lisas, que vão da areia até o mar, e é bem neste cantinho que as crianças mais gostam de ficar.

Isto porque todo o dia, numa hora que só as crianças sabem, a água ficha cheia de espuma, até parece sabão, e enche o ar de bolhas coloridas que não estouram se a gente pegar na mão.

Então eles aparecem: olhos grandes, de um marrom bem claro, transparentes como a água, e que brilham como o sol.

Todos têm a pele lisinha, e cada um é de uma cor.

Eles falam coisas bonitas, e inteligentes também: dizem que o mundo é uma árvore muito velha, que nunca pára de crescer.

Que os adultos são crianças crescidas, que se esqueceram de sonhar.

Dizem que o amor de verdade não cabe no coração: se espalha pelo mundo todo e faz as pessoas ficarem mágicas.

Os bichos, eles dizem, só são felizes nos seus lugares: um passarinho fica triste quando está preso numa gaiola, e os cãezinhos precisam de espaço para poder correr e brincar; e que quem ama um bichinho deixa ele solto e feliz, porque é assim que se conquista o coração das pessoas de dos animais.

Dizem que os adultos já derrubaram muitas florestas, e deixaram muitos bichos sem lar.

Encheram o ar de fumaça e os rios de poluição.

Acabaram com muitos peixes, e passarinhos também; que matam bichinhos inocentes só pra fazer roupas e sapatos e nem é porque precisem: é só para mostrar.

E que compram armas muito caras e viajam longe para atirar nos bichos selvagens só pelo prazer de matar.

Contam que há muito tempo eles vão naquela praia.

Que há muito tempo eles falam com as crianças.

Mas que depois que as crianças crescem, não querem mais escutar.


No meu sonho tem uma praia, onde as crianças vão brincar.

Mesmo que acabem as focas, as ondas limpas do mar.

Mesmo que o céu se esconda por trás da poluição, que não exista mais uma árvore, uma grama onde pisar...

No meu sonho ainda terá uma praia, onde as crianças irão brincar.

Para ver os meninos-foca e ouvir o que eles têm para contar.

(revisão de texto publicado originalmente no Diário Catarinense, em 25 de julho de 1987. Ilustração: Kiko Novaes)