16 de dez. de 2008

A CARA E A CORAGEM


Ele se chama Montasser al Zaidi, tem 29 anos e há três é reporter de uma rede de televisão privada Al-Baghdadiya. Já foi preso duas vezes pelas tropas de ocupação e uma pelos Xiitas e, segundo consta, tem ligações profundas com o regime de Saddam Hussein. É noivo, mas afirma que só contrairá as núpcias no dia em que os americanos deixarem o Iraque.

Ao assistir ao vivo e a cores o cínico quase-ex-presidente americano afirmar sorridente que meia década de invasão do Iraque fora necessária à segurança dos EUA, a estabilidade do Iraque e à paz mundial, ele explodiu: arrancou do pé o primeiro sapato e mirou em cheio na testa de jorginho-filho, gritando: "Este é beijo de despedida, pedaço de cão!"

Aqui faz-se importante ressaltar que na complexa escala de insultos da não menos complexa cultura muçulmana, cães e sapatos disputam palmo a palmo a supremacia.

Para seu desapontamento (e porque não dizer do planeta), Jorgihno-filho é tão bom na esquiva como na engambelação.

Sem titubear, al Zaidi arrancou o segundo sapato e mandou ver, desta vez pelas viúvas, pelos órfãos e por todos que morreram no Iraque.

Há pouco, a rede de tevê iraquiana Al-Sharqiya informou que se encontra preso em Camp Cropper, uma prisão mantida pelas forças americanas no aeroporto de Bagdá. Ele teria costelas fraturadas, sinais de tortura e estaria incapacitado de mover o braço direito. Não tenho como confirmar a história, mas também não tenho como desmentir, portanto fica aí o registro.

Enquanto isso, pelo mundo a fora - incluindo os próprios Estados Unidos - pipocam manifestações de apoio ao gesto que vai entrar para a história como o legado final da sórdida "era Bush".

O Code Pink, um grupo de mulheres americanas contrárias à guerra do Iraque, prepara o envio à Casa Branca de tantos sapatos quantos puder arrecadar, inscrevendo em cada um o nome de um iraquiano morto durante a ocupação. "Quem deveria estar na prisão é George Bush, e deveria ser acusado de crimes de guerra", sentencia sua líder Medea Benjamin.

Se depender de defesa, al Zaidi não vai murchar na prisão: uma legião de advogados já se mobilizou pelos quatro cantos do planeta: "É o mínimo que podemos fazer para um iraquiano que se voltou contra um tirano criminoso como Bush, que já matou 2 milhões de pessoas no Iraque e no Afeganistão", afirmou Khalil Doulaïmi, advogado que defendeu Saddam Hussein. A propósito, Doulaïmi prepara uma interessante tese de defesa: não há crime (a agressão a chefe de estado estrangeiro é crime previsto em Lei no Iraque, e sujeito a detenção de até dois anos), mas legítima defesa, pois os EUA invadiram e ocupam o Iraque. Em face disso, toda a resistência torna-se legítima. Até o arremesso de sapatos contra o chefe do estado agressor.

Já dá pra ver que qualquer processo contra al Zaidi promete converter-se no julgamento da própria invasão norte-americana, o tipo de batata quente que nenhum juiz iraquiano quer ter que segurar com as próprias mãos. Vai ser um exercício e tanto pro governo biônico do Iraque se livrar dessa saia justa.

"Jogar sapatos na cara de Bush é a resposta normal e adequada a tudo o que foi cometido por este 'criminoso' e seu bando de assassinos contra o povo iraquiano", adianta um grupo de teólogos, advogados e cientistas iraquianos.

Ao mesmo tempo que proclamavam al Zaidi "herói nacional", iraquianos furiosos tomaram as ruas protestando contra sua detenção. Do gesto do jornalista surgiu um novo esporte nacional: arremesso de sapato contra ianque. Não creio, no entanto, que o Comitê vá incluir essa nova modalidade para as próximas olimpíadas. Uma pena.

Vale a pena (sempre) ver de novo:




Se você também gostaria de poder dar uma sapatada no quase-ex-presidente americano, experimente este link.

14 de dez. de 2008

ADEUS, PAPAI NOEL


Há muito já se perdeu o verdadeiro sentido do Natal, uma data a ser celebrada na intimidade da família, na qual a ceia e os presentes compartilhados significam o perdão mútuo e o aprofundamento dos laços afetivos, com a simplicidade e compaixão demonstradas por Cristo ao longo de toda a sua jornada entre nós.

Natal virou sinônimo de excesso: excesso de comida, excesso de bebida, excesso de despesas, excesso de festas.

O único símbolo que vinha se mantendo intacto graças ao imaginário infantil começa a cair: recente pesquisa apontou um significativo aumento no número de descerebrados que ao invés do "bom velhinho" adorariam receber a visita de celebridades como Brad Pitt e Nicole Kidman neste Natal.

Orlando Bloom, Justin Timberlake, David Beckham, Angelina Jolie, Beyoncé Knowles e Gisele Bündchen, constam como favoritos seguindo de perto os loirinhos Pitt e Kidman.

Sem comentários.

13 de dez. de 2008

REBELDES SEM CAUSA


Em 2006 a morte de dois jovens filhos de imigrantes eletrocutados quando supostamente fugiam da polícia serviu de bandeira a 21 dias consecutivos de tumultos, quebradeiras e saques nos "subúrbios" de Paris, levando o governo a decretar Estado de Emergência.

Falar em "subúrbio" é eufemismo: tais áreas constituem-se mais propriamente em guetos habitados por imigrantes - em sua maioria originários do Norte da África - que, da sociedade francesa, só têm reconhecidos seus deveres e obrigações. De resto, devem manter-se humildes, laboriosos e, acima de tudo, gratos pela promessa de prosperidade oferecida (mas nunca cumprida) pelo civilizado "primeiro mundo".

Embora seja clara e límpida a causa daquelas revoltas, seu objetivo restou dúbio e nebuloso: legítimos representantes da geração playstation, aqueles jovens careciam de todo e qualquer conteúdo ideológico: queimar, apedrejar, depredar e saquear propriedade alheia resumiram-se à expressão irracional de uma raiva subitamente desperta de sua letargia.

O videogame se repete, agora na Grécia. "Estado assassino", é tudo que os jovens gregos têm a dizer ao mundo, enquanto assistimos assombrados a explosão de sua ira.


Quando se vê na imprensa imagens de jovens encarando a polícia de choque, armados com pebras, paus ou coquetéis molotov, é natural que nos venha a memória o tsunami de 1968. Mas qualquer tentativa de associação pára por aí.

A juventude que foi às ruas em 68 era, na imensa maioria, constituída por jovens universitários de classe média; e as manifestações não se restringiam às ruas. Na verdade, as manifestações de rua foram a expressão menor daquele movimento sustentado por uma ampla rede de debates e assembléias que se repetiram dos pátios às salas de aula em instituições de ensino superior por praticamente todo o ocidente.

Os atos de violência não eram explosões alienadas, mas manifestações orquestradas cujo único objetivo era atrair para si as lentes da mídia - esta sim interessada na violência como espetáculo. Não pense que repórteres não foram convidados a participar das longas jornadas de debates e discussões. Foram sim, e muitos se fizeram presentes, mas as redes de rádio, jornal e televisão não viram nenhum potencial aumento de vendas ou audiência em retratar grupos de estudantes sentados a discutir política por horas e horas a fio.


Partiu, portanto, da própria mídia, mesmo que indiretamente, a idéia do quebra-quebra. E foi com aquela imagem que ficaram marcados os jovens de 68, uma geração legitimamente revolucionária, dotada de ideologia própria e capaz de articular-se dentro dos melhores princípios democráticos; uma geração a quem devemos a liberdade civil, os direitos humanos e o próprio movimento ecológico, hoje tão em moda.

Que idéias sustentam os movimentos dos jovens na França e na Grécia neste século XXI? Que bandeiras sustentam? Por quê lutam?

Nem eles o sabem. Como ovelhas cruzando um riacho, seguem por onde outros foram; simplesmente vão. São o reflexo da sociedade massificada, acéfala e carente de conteúdo a que chegamos.

Pelo excesso, perdemos a capacidade de classificar, priorizar e sistematizar informações; como esponjas, absorvemos rapidamente os fragmentos que o imediatismo nos permite assimilar sem nos darmos tempo de ponderar: nos restringimos a acumular conhecimentos aleatórios, ao sabor das rodas de conversa, alimentadas pelas manchetes da mídia.

Vivemos atentos somente à forma como expressão. Abandonamos o conteúdo a um estágio límbico, latente: a menor manifestação é sentida como o desconforto de um estômago cheio que tratamos com a panacéia antiácida do entretenimento.

Emburrecemos aritimeticamente como indivíduos e geometricamente como sociedade.

Por ora, nos sustentam as bases assentadas pelas gerações que nos precederam, as quais ainda retinham noções de civilidade, de ética e moral. Mas isso é só uma questão de tempo: A Europa já está mudando. No rastro do 11 de Setembro, os direitos à privacidade e inviolabilidade vêm sendo sistematicamente banidos e, veja você, com o apoio maçiço da população - filhos e netos das mesmas pessoas que a duras penas forjaram as leis que puseram o Estado a serviço do indivíduo.

Essa é a raiva que consome inconscientemente a geração playstation: o trem da história está perdido e eles não sabem nem por onde começar.

5 de dez. de 2008

SUSPEITA


É no mínimo suspeita a execução (assim o define a própria polícia) do Vice-Presidente do CREMERS justo quando o SIMERS submete à avaliação do Conselho o fechamento dos hospitais da ULBRA.

Se não, confira:


Simers pedirá interdição dos hospitais da Ulbra

Entidade também vai propor o cancelamento do vestibular para o curso de Medicina

O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) anunciou nesta segunda-feira que pedirá ao Conselho Regional de Medicina (Cremers) a interdição dos hospitais da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e o cancelamento do vestibular para o curso de Medicina. O motivo é que os mais de 800 médicos que prestam serviço como empresa estão sem receber desde agosto, há esvaziamento dos hospitais, unidades paradas e começa a faltar materiais básicos, como oxigênio, de acordo com o Simers.

— Muitos profissionais estão tendo de buscar outras alternativas de trabalho já que não há perspectiva de regularização dos pagamentos. Sem pessoal suficiente e materiais para atendimento, a operação oferece risco à população — disse o presidente da entidade médica, Paulo de Argollo Mendes.

Hospitais em Porto Alegre, Canoas e Tramandaí estão com parte dos serviços paralisados por falta de profissionais e materiais. A assessoria de imprensa da Ulbra afirmou que ainda não tinha uma resposta da universidade sobre a situação, e aguardava um retorno da diretoria.

A universidade tem mais de 10 mil empregos diretos, milhares de prestadores de serviços e mais de 140 mil estudantes. O plano de saúde tem 80 mil segurados. A interdição depende de vistoria do Cremers.

Além da interdição, o sindicato e a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) deverão pedir audiência com os ministros da Educação e da Saúde, além dos prefeitos de Porto Alegre, Canoas e Tramandaí. O objetivo é enfrentar o impacto da redução de atendimentos para a população. O Simers também anunciou que sugerirá aos ministros uma intervenção federal para assegurar a continuidade dos serviços.

Confira a situação em cada hospital:

Hospital Luterano
(Rua Álvaro Alvim), em Porto Alegre - Tem cerca de 120 leitos, 85% do atendimento é de segurados do plano Ulbra Saúde. Tem atendimento nas especialidades clínica, obstétrica e cirúrgica - O segundo e quarto andares estão fechados para atendimento de pacientes - Falta de profissionais compromete plantão de fim de semana

Hospital Independência, em Porto Alegre - Cerca de 110 leitos (50% SUS e 50% particular), sendo que apenas sete estão ocupados, e não se aceita mais internações - Especializado em ortopedia e traumatologia, atende cerca de 200 pacientes por dia na emergência - Bloco cirúrgico fechado para cirurgias eletivas - Apenas casos graves estão sendo atendidos - Suprimento de oxigênio deve durar apenas mais uma semana

Hospital Universitário, em Canoas - Cerca de 160 leitos, 104 estão ocupados - As duas emergências (SUS e convênios) foram unificadas, devido à falta de oxigênio e de materiais - Os plantões clínicos e pediátricos, com dois médicos para atender SUS e dois para os convênios em cada especialidade, foram reduzidos para um clínico e um pediatra - O atendimento de convênios caiu 90% - Sexto e oitavo andares (são 10 no total) estão fechados - Previsão de sexta-feira passada era de que o oxigênio durasse mais 72 horas

Hospital de Tramandaí (Ulbra assumiu por comodato) - 111 leitos, urgências 24h, UTI adulto, infantil e neonatal e diversas especialidades para internação - 90% atendimento pelo SUS (único em Tramandaí, recebe pacientes de toda região) - Ocupação caiu para pouco mais de 50% dos leitos - Escalas de plantão somente até 30 de novembro, depois, não há previsão, ante a impossibilidade técnica de atendimento e atrasos de três meses em pagamento (todos os médicos são prestadores)

(fonte: Zero Hora, em 24/11/2008)

Não preciso dizer que, como sempre neste Estado que se arvora a bastião da Justiça, moralidade e bons costumes; esse crime que fede a encomenda será devidamente morcegado. Espere e verá.