28 de dez. de 2012

PSICODELIA PURA


Coisas que a gente ouve tantas vezes sem pensar, até que um dia para, presta atenção e se surpreender:
 
Hello everyone.
I suppose you think that nothing much is happening at the moment.
Ah-ha-ha-ha-ha.
Well, that's what I want to talk to you all about; endings.
Now, endings normally happen at the end.
But as we all know, endings are just beginnings.
You know, once these things really get started, it's jolly hard to stop them again.
However, as we have all come this far, I think, under the circumstances the best solution is that we all just keep going.
Let's keep this going in sight, never an ending.
Let's remember that this world wants fresh beginnings.
I feel here, in this country, and throughout the world, we are crying out for beginnings, beginnings.
We never want to hear this word "endings".
I know we all want to sit down. I know you want to take it easy.
Of course we're looking for the good.
Of course we're looking for the fresh start.
Isn't that charming?
Do you know, I really feel I could dance.
Ah-ha-ha-ha-ha... Ah-ha-ha-ha-ha-ha... charming...
Ha-ha-ha...
Happy?
 
(Mike Oldield - Amarok; imagem: "Never Ending Road", fotomanipulação por Tyakarai: http://tyakarai.deviantart.com/)

27 de dez. de 2012

PARA CONSERTAR O MUNDO



Andava um famoso cientista às voltas com o imenso problema de consertar o mundo quando seu filho de sete anos irrompe em seu escritório oferecendo-se para ajudá-lo em seu trabalho.

- O papai está trabalhando para consertar o mundo. É muito trabalho para um homem pequeno como você. - explica o cientista tentanto dissuadir o menino.

- Mas eu quero ajudar, papai. Não é isso que a gente faz quando é família? Ajudar um ao outro? É o que a mamãe sempre diz.

- Sim, é verdade. A mamãe está certa. - rende-se o cientista com um suspiro.

- Então, como é que eu posso ajudar? - pede o garoto sorrindo orgulhoso.

- Deixa eu ver... - diz o cientista correndo os olhos pelas estantes apinhadas de livros como à busca de salvação.

É quando seu olhar recai sobre uma revista aberta sobre a mesa de trabalho onde vê impressa uma imagem do planeta Terra. Depois de ponderar por um instante, o cientista arranca a página desfazendo-a em pedacinhos que estende ao filho dizendo:

- Aqui. O mundo está assim, está vendo? Todo despedaçado, e nós precisamos colar os pedacinhos todos de volta no lugar. Você acha que consegue?

- Claro, papai! - exclama o menino aceitando os pedacinhos de papel rasgado.

- Certo. Aqui está uma folha de papel e um tubo de cola, pode começar. - diz o cientista limpando uma área da mesa para dar espaço ao menino - Você vai trabalhar aqui bem do meu lado e em silêncio, ok? Só vai me chamar quando tiver terminado.

Dito isso, o cientista volta a afundar-se em suas complexas equações deixando o menino sozinho para montar aquele quebra-cabeça. Pouco tempo depois, o menino avisa:

- Oh! - exclama o garoto a certa altura com tanta pungência que chama a atenção do pai.

- O que foi?

- Deu tudo errado. - lamenta-se o menino à beira das lágrimas.

Um tanto exasperado, o cientista larga mais uma vez o trabalho para ver o que acontecia.

- Mas o que que é isso? - pergunta ao ver o rosto sorridente de um homem num anúncio de pasta de dentes - Como é que isso foi acontecer?

- É que eu estava tentando montar o mundo como você falou, mas era muito difícil. Aí eu vi que tinha esse homem aí do outro lado, que era bem mais fácil de montar, e pensei que se eu colasse de volta os pedaços no rosto desse homem, eu ia montar de volta o mundo do outro lado da folha. Só não lembrei que o mundo ia ficar colado no papel que estava embaixo, e agora não dá mais pra ver se eu consertei o mundo ou não.

- Meu filho, você não só consertou o mundo da revista, como mostrou uma solução que tornou todo o meu trabalho uma brincadeira de criança. - diz o cientista erguendo a folha de papel contra a luz e mostrando ao menino.

Lá estava o planeta terra direitinho, por trás do rosto sorridente da pasta dental.

Ato contínuo, o cientista fechou todos os livros e cadernos em sua mesa, abriu as janelas do escritório e enquanto a brisa e o sol da manhã invadiam o recinto, convidou:

- Vamos brincar lá fora? Está um dia lindo demais para ser desperdiçado nesta sala fechada.

Antes de sair, pegou uma caneta e rabiscou sobre a pilha de livros e cadernos que recém fechara:

CONSERTEMOS O HOMEM E TEREMOS CONSERTADO O MUNDO!

6 de dez. de 2012

CENOURAS, OVOS OU CAFÉ?


Aos 29 anos, Laura sentia-se vazia e cansada. Por mais que tentasse, nada parecia dar certo em sua vida: cada vez que parecia ter resolvido um problema, outro aparecia para lhe tirar o sono e a paz de espírito. Com a auto-estima lá pelos dedões dos pés, resolveu visitar a avó, a quem não via a quase um ano.


- Estou tão cansada, vovó... minha vida não leva a nada, é tudo tão inútil, não sei mais o que fazer! Estou cansada, triste e com muita raiva! - desabafou aos prantos mal a avó abrira a porta para recebe-la.

Vó Amélia abraçou a neta até que se acalmasse, então convidou:

- Vamos até a cozinha?

Ainda soluçando, Laura seguiu a avó até a cozinha da pequena casa evocando ternas lembranças a cada cômodo por que passavam.

Chegando à cozinha, ao invés da chaleira, vó Amélia encheu uma panela com água e a levou ao fogo. Laura estranhou, mas não disse nada, entregue que estava a seus pensamentos conflituados.

Enquanto a água esquentava, ao invés do chá, vó Amélia jogou uma cenoura, um ovo e um punhado de grãos de café na água, então sentou numa cadeira a esperar em silêncio como se Laura nem estivesse ali.

Achando que a avó não estava regulando bem, Laura perguntou:

- O que você está cozinhando, vovó?

- Cenoura, ovo e café. - respondeu a avó com um sorriso.

Laura abriu a boca, mas vó Amélia com um gesto firme indicou que esperasse.

Quando o timer começou a tocar, vó Amélia desligou o fogo, retirou com cuidado a cenoura e o ovo colocando-os em seguida de molho na água fria e voltou a sentar à espera.

- Tome. - disse estendendo a cenoura a Laura depois de algum tempo - Tente quebrá-la.

Um tanto relutante, Laura pegou a cenoura e sem o menor esforço esmagou-a entre as mãos.

Vó Amélia então estendeu-lhe o ovo.

Laura pegou o ovo e apertou. A casca se partiu, mas o duro ovo cozido permaneceu intacto.

- Agora quero que prove isso. - disse a avó oferecendo a panela.

Laura aspirou o aroma do café,  provou um golinho e devolveu a panela.

- É café... - disse erguendo as sobrancelhas - Não estou entendendo...

- Me diga, minha neta: a água fervente é um estado natural?

- Não, claro!

- Para a cenoura, o ovo e o café, a água fervente é uma circunstância adversa, e cada um reagiu à sua maneira: a cenoura, que era dura e inflexível amoleceu e tornou-se fraca. O ovo, que só contava com sua frágil casca como proteção para o líquido em seu interior continou com a casca frágil, mas seu interior endureceu...

Vó Amélia fez então uma pausa, e tomando outra vez a panela nas mãos, aspirou longamente o aroma do café, então continou:

- Mas o café, ah este sim é único, pois depois de algum tempo na água fervente, ele mudou a própria água...

E foi com um olhar penetrante que parecia enxergar o fundo da alma da neta que vó Amélia perguntou:

- Qual dos três você escolhe ser?

(foto: senhora Beuchert em sua cozinha, Washington, 1917, fotógrafo desconhecido. Mais fotos históricas aqui

5 de dez. de 2012

NASRUDIN E A VELA




Nasrudin um certo dia apostou com as pessoas do vilarejo que conseguiria sobreviver a uma noite nas montanhas em pleno inverno sem fogo ou cobertas para se aquecer.

Aceita a aposta, munido de um livro e uma vela, ele partiu para as montanhas.

Pela manhã, enregelado a bater os dentes, Nasrudin voltou à aldeia indo direto coletar as apostas.

- Você tinha com que se aquecer? - perguntou o estalajadeiro, que apostara grande quantia contra Nasrudin.

- Nada. - redponde o Mulla.

- Nem mesmo uma vela? - insiste o açougueiro que também apostara uma boa quantia de dinheiro.

- Bem, eu levei uma vela para poder ler.

- Então perdeu a aposta! - decidiu o juiz, que como os outros também apostara bastante dinheiro.

- Pois bem... - Nasrudin deu de ombros se afastando sem argumentar.

Alguns meses depois, Nasrudin convida algumas pessoas para um jantar em sua casa. O estalajadeiro, o açougueiro e o juiz, entre outras pessoas se encontram na sala conversando e esperando a comida.

Horas se passam, e nada de comida. Nasrudin faz o melhor para entreter seus hóspedes, e tratando-se ele de um Mulla, ninguém ousa cometer a indelicadeza de interromper a prosa para indagar sobre o jantar.

Já passadas as onze horas da noite, Nasrudin convida:

- Vamos ver se o jantar já está pronto?

Todos se levantam seguindo-o à cozinha.

Lá, para surpresa geral, deparam-se com uma imensa panela cheia de água fria sob a qual ardia uma pequena vela.

- Oh, não está pronta ainda. - suspira Nasrudin - Não entendo: está no fogo desde ontem!

(imagem: miniatura de Nasrudin Hodja so século XVII, autor desconhecido)

3 de dez. de 2012

NÃO SE DEIXE LEVAR




No pequeno vilarejo habitado por humanos próximo à Grota do Fundão, morava um menino de 11 anos chamado Pedrinho, que não era nem alto nem baixo, nem magro nem gordo, nem tampouco tinha muitos amigos.

Mas desde os cinco anos de idade, Pedrinho tinha um cão chamado Bóris, com quem adorava brincar. Entre as muitas brincadeiras, jogar bola era a preferida dos dois.

Um dia, brincando à beira do lago, Pedrinho jogou a bolinha com tanta força que ela foi parar dentro d'água. Ao ver Bóris seguindo sem hesitação para dentro das águas traiçoeiras, Pedrinho gritou e chamou, mas Bóris não lhe deu ouvidos e para total assombro do dono, seguiu correndo sobre a superfície da água, pegou a bolinha e trouxe de volta.

Pedrinho voltou a jogar a bola na água várias vezes, reparando maravilhado que Boris realmente conseguia correr sobre a água.

No dia seguinte, na escola, Pedrinho contou o feito a seus colegas, virando imediatamente motivo de chacota geral.

- Mas ele consegue correr sobre a água, sim! - insistia Pedrinho à beira das lágrimas.

- Além de burro, você também é mentiroso! - acusaram os outros meninos.

- Mas eu posso provar que é verdade! - insistiu Pedrinho.

- Então, prove. - desafiou Mané o fortão da turma - E se não for verdade, vou bater em você.

Ficou combinado então que naquela tarde mesmo todos iriam se encontrar no lago para ver o cachorro correr sobre a água.

A turma já esperava a algum tempo, quando Pedrinho finalmente chegou com seu cachorro.

Sem dizer uma palavra, Pedrinho jogou a bola no lago, e Bóris correu para dentro d'água. Calados, os outros meninos alternavam olhares entre a corrida de Bóris e a expressão indecifrável de Mané. E como Mané não mostrava espanto ou surpresa, guardaram para si o que quer que estivessem sentindo.

Com os olhos fixos em Bóris, como se disso dependesse toda a sua vida, Pedrinho não reparou em nada disso, só se voltando para os demais depois de ter a bolinha em suas mãos.

- Então, viu como o meu cachorro é especial? - perguntou Pedrinho ansioso.

- Tudo que eu vi é um cachorro tão inútil que não sabe nem nadar! - retrucou Mané dando as costas com desdém - Vamos embora, turma. Esse Pedrinho é mesmo um idiota.

E lá se foram Mané e os outros meninos. Só João, o garoto esquisito de quem ninguém gostava ficou para trás.

- Puxa, seu cachorro é fantástico! - cumprimentou João acariciando a cabeça de Bóris - Nunca vi nada assim!

Pedrinho nem olhou para João: com o peito apertado observava a turma se perder na distância aos empurrões e gargalhadas.

- É um cachorro idiota! - desabafou finalmente - Passa o dia todo correndo atrás de mim com essa cara de abobado e vive quebrando tudo na casa! Quer? Pode ficar com ele, é tão inútil como você!

- Ele só falou isso por inveja. - João tentou argumentar.

Mas Pedrinho não deu ouvidos: jogou a bolinha com toda a força para dentro do lago e enquanto Bóris corria para buscar, subiu em sua bicicleta, saindo em disparada.

Entristecido, João ficou olhando Bóris correr até o meio do lago, voltando em seguida com a bolinha. Ao ver que seu dono partira, Bóris não hesitou e com a bolinha entre os dentes saiu em disparada seguindo o rastro do dono.

Nos dias que se seguiram, Pedrinho não só não brincou mais com Bóris como passou a espezinhar o pobre animal.

- Pedrinho! Não é assim que se trata um bichinho de estimação! - repreende a mãe zangada ao vê-lo chutar o pobre cão.

- O Bóris não é um bichinho, nem é de estimação! - bradou Pedrinho - Eu odeio ele!

Vendo o cão definhar entristecido, os pais depois de muito conversar decidiram oferecê-lo para doação. Afixaram alguns cartazes na vizinhança e esperaram o resultado.

No dia seguinte, ninguém menos do que Mané e seu pai batem à porta da casa com um dos cartazes nas mãos.

Da janela de seu quarto, Pedrinho observou rancoroso quando Mané se afastou levando Bóris todo faceiro.

Na semana seguinte não se falava em outra coisa na escola: Mané tinha um cachorro tão fantástico que até conseguia andar sobre a água!

Zangado, Pedrinho foi tomar satisfações de Mané:

- Como é que agora o Bóris anda sobre a água quando você mesmo disse que ele era tão inútil que nem sabia nadar?

- É que o Bóris não era o MEU cachorro, mas agora é. - retrucou Mané com um sorriso desdenhoso.

(foto: Charlie, o boxer, por Rick Ehrenberg)