21 de jun. de 2008

LIVROS, PARA QUE LÊ-LOS


Como não me furto à polêmica, vou tratar hoje de um assunto delicado. Delicado, porque escrevo num país de iliteratos onde a maçiça maioria sequer concluiu a leitura de uma única obra significativa (eu disse significativa: auto-ajuda e pseudo-literatura não contam). Mas, enfim, como país de contrastes que somos, na outra ponta desse iceberg tem a minoria que lê o suficiente para sustentar grandes redes de livrarias e editoras.

Pra não fugir à regra do argumento de autoridade (essencial para a sobrevivência intelectual nos meios "cultos"), vou citar Schopenhauer em dois momentos de peculiar inspiração (os extratos são do livro "A Arte de Escrever", no caítulo "Sobre a leitura e os livros"):


Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental, do mesmo modo que um estudante refaz com pena os traços que seu professor fizera a lápis. Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. No entanto, a nossa cabeça é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram o que resta?(...)

Além de tudo, os pensamentos postos em papel não passam, em geral, de um vestígio deixado na areia por um passante: vê-se bem o caminho que ele tomou, mas para saber o que ele viu durante o caminho é preciso usar os próprios olhos.


A leitura não se resume a canibalizar pensamentos alheios passando vorazmente de um a outro cardápio ao sabor das rodas de conversa e das indicações da mídia. A leitura que realmente vale é a que vem acompanhada da reflexão, do questionamento, da crítica, da elaboração.

Conheço gente capaz de memorizar parágrafos, capítulos inteiros; mas absolutamente incapaz da menor elaboração desses conteúdos. São analfabetos intelectuais, que passam a vida afirmando "eu li", citando em seguida essa ou aquela passagem (usualmente as mais obscuras e floreadas onde nitidamente sequer o autor tinha noção clara do que se referia). Tais tipos abundam no meio acadêmico, nas câmaras de livro e nas comissões de cultura onde sua vaidade pode ser melhor apreciada pelos iguais.


Seria bom comprar livros se fosse possível comprar, junto com eles, o tempo para lê-los, mas é comum confundir a compra dos livros com a assimilação de seu conteúdo.


O tipo mais patético é o colecionador (referido no exemplo 2 de Schopenhauer), que entope as paredes da casa com centenas, milhares de volumes, como se cultura se absorvesse por osmose. É o analfabeto ostensivo: adora dizer "eu tenho este livro".

A erudição é um processo de aprendizado como outro qualquer. É preciso passar por essas etapas e amadurecer. A verdadeira erudição não se mede pela quantidade, mas pela qualidade. A qualidade do que se escolheu ler e a qualidade da elaboração que acompanhou essa leitura.

Pense nisso. E da próxima vez que abrir um livro (um livro de verdade, não auto-ajuda, pseudo-literatura técnico-corporativa ou o título da moda), vá lendo aos poucos, saboreando como se fosse um petit-four e pense, pense muito sobre o que está lendo. Por quê o autor disse isso ou aquilo? Onde pára a argumentação válida e começa a falácia? Por quê tal personagem age assim ou assado? O que há por trás da trama? Qual a real intenção daquela pessoa ao escrever aquela obra específica?

Você vai se desapontar com muitos autores carimbados da atualidade, mas, em contrapartida, vai começar a entender melhor as pessoas e a vida ao seu redor.

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