5 de fev. de 2010

PERDOAR, JAMAIS

Eu tenho andando muito incomodada com a série "Infiltrados" que a Zero Hora vem publicando, relatando as atividades de delação dos agentes da máquina ditatorial como se não passassem de picardias juvenis. Se não torturou e matou diretamente, essa gente foi responsável pela prisão tortura e desaparecimento de dezenas de cidadãos, muitos dos quais ainda hoje seguem desaparecidos.

Como a menina da foto, EU ME RECUSO A APERTAR A MÃO DOS OPRESSORES.

A reação a isso veio no artigo que reproduzo a seguir:

A última medula dos ossos

por Christopher Goulart*

"Os fins justificam os meios.” Foi a declaração pública de um ex-analista de informações do Dops nas páginas de Zero Hora, ao justificar a tortura, defendendo isso “até a última medula dos ossos”. Ler algo tão revoltante, olhando para a foto de um senhor estampada no jornal, vangloriando-se de seu passado na ditadura militar, ocasiona-me uma profunda reflexão.

Ao que me consta, a sociedade está debatendo punição aos torturadores, revisão da Lei de Anistia, entre tantos pontos polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos. Alguns contrários, outros favoráveis, tudo dentro de uma normalidade democrática. Mas ainda resta dúvida a respeito de a tortura ser um crime de lesa-humanidade; portanto, crime inafiançável?

A ninguém cabe alegar desconhecimento da convenção da ONU contra a tortura, ratificada pelo Brasil em 18 de dezembro de 1989 ou do artigo 5° da Declaração de Direitos Humanos que diz “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. São regras da civilização. Mesmo assim, somos surpreendidos com apoios públicos incondicionais – “até a última medula dos ossos”, que apontam um retrocesso grotesco para a barbárie superada.

Sugiro ao senhor da foto que leia o artigo de Marcelo Rubens Paiva publicado recentemente em São Paulo, na forma de carta aos militares. Talvez este cidadão reveja seus conceitos. Talvez lembre que o pai do autor desse artigo, esse sim sofreu “até a última medula dos ossos”, torturado e assassinado nos porões da ditadura. A justificativa? Rubens Paiva era relator de uma CPI que investigava dinheiro da CIA para a preparação do golpe. Tornou-se um número a mais dentre os desaparecidos.

Sou, sim, favorável à revisão da Lei de Anistia, mas respeito opiniões contrárias. Também tenho uma história de vida diretamente ligada ao golpe civil-militar que expulsou minha família de meu verdadeiro país e me obrigou a nascer no exílio. Nem por isso ignoro a liberdade de expressar opiniões divergentes sobre um tema tão polêmico. Mas, com todo o respeito: a pregação aberta da tortura é hoje algo inconcebível para uma humanidade em constante estágio evolutivo.

*Presidente da Associação Memorial João Goulart
Zero Hora - 05 de fevereiro de 2010

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