Os acontecimentos recentes na Islândia não estão sendo noticiados em nenhum grande veículo de comunicação.
Porque se tratam do restabelecimento de um sistema de governo legitimamente participativo e democrático. E isso assusta os plutocratas que se pretendem senhores absolutos do planeta.
Todo mundo lembra quando em plena "crise" de 2008 foi alardeado que a Islândia estaria quebrada.
E na verdade estava.
Mas, ao contrário da Grécia, de Portugal e da maioria do outros países afetados pela orgia dos bancos que deflagrou a dita "crise" de 2008; a Islândia hoje vai muito bem obrigada.
Para quem não lembra, vamos recordar:
Tudso começou logo após a virada do milênio, mais precisamente em 2003, quando seguindo a moda mundial, os islandeses aderiram ao neo-liberalismo elegendo um governo de centro-direita que logo tratou de privatizar os três bancos do país (Landsbanki, Kaupthing Bank e Glitnir). Tão logo trocaram de mãos, as três instituições foram tratar de aumentar os lucros atraindo investidores estrangeiros com a oferta de investimentos online com altas taxas de retorno - só não contavam para ninguém que essas altas remunerações só eram possíveis porque estavam investindo pesado nos papéis podres do Lehman Brothers.
Por cinco anos a ciranda funcionou e fez os islandeses ricos e prósperos.
Mas quando a bolha estourou em 2008, os bancos islandeses foram à falência e a moeda nacional, o Kroner desvalorizou 85% em relação ao Euro da noite para o dia.
O país quebrou.
Desesperado, o Primeiro Ministro de então, Geir Haarde, negociou um empréstimo de 2,5 milhões do FMI, ao qual os países do Norte europeu adicionaram outros 2,5 milhões.
Em troca, tanto o FMI como os vizinhos do Norte exigiam que o governo islandês implementasse medidas drásticas (porque não dizer draconianas) impondo ao país a mesma cartilha de privatizações e cortes em investimentos públicos que se vê na Grécia, em Portugal, na Espanha e tantos outros países - e que a gente aqui no Brasil conhece bem, porque nos manteve no atraso de dívidas impagáveis, baixo crescimento, investimentos em serviços públicos próximos ao 0, inflação galopante e virtual desmonte do setor produtivo nacional (à exceção da mineração e agropecuária) por mais de 40 anos.
Só que os islandeses não toparam pagar esse mico.
Os 320 mil cidadãos da pequena ilha foram às ruas, armaram barricadas e meteram a boca no trombone até derrubar o governo.
Uma coalizão de esquerda foi então eleita em 2009.
Mas esse novo governo, apesar do discurso anti-liberal, mostrou fraqueza ao ceder à pressão internacional pelo imediato pagamento de 3 milhões de dólares; propondo como solução um imposto de 100 Euros a serem pagos mensalmente por cada cidadão islandês pelos próximos quinze anos (os juros eram de 5,5%).
À ideia de que cada cidadão deveria pagar do próprio bolso uma dívida contraída pela irresponsabilidade administrativa de instituições privadas, o povo respondeu com um sonoro NÃO.
Ouvindo o clamor das ruas, o chefe de Estado Olafur Ragnar Grimsson recusou-se a ratificar a lei que tornaria os cidadãos da Islândia responsáveis diretos pelos débitos contraídos pelos bancos privados; e convocou um referendo.
Obviamente a pressão internacional se intensificou sobre a Islândia. Holanda e Reino Unido ameaçaram sérias retaliações que isolariam o país.
Enquanto os islandeses se preparavam para votar, banqueiros internacionais aumentaram a pressão e numa verdadeira campanha de terror ameaçaram bloquear os auxílios do FMI; o governo da Inglaterra ameaçou congelar as contas de cidadãos islandeses nos bancos do Reino Unido. E muito mais, como fica explícito no relato de Grimsson:
Nos disseram que se recusássemos as condições da comunidade internacional, nos tornaríamos a Cuba do Norte.
E ele próprio acrescenta sabiamente:
Mas se tivéssemos aceitado, nos tornaríamos o Haiti do Norte.
No referendo realizado em março de 2010, 93% dos cidadãos islandeses votaram contra o pagamento do débito.
O FMI imediatamente congelou as ajudas.
Mas o pequeno país não se intimidou.
Ao contrário, movido pelo renovado vigor nacionalista, enquanto a nação inteira arregaçava as mangas para trabalhar na reconstrução da economia do país, foram iniciadas investigações civis e penais contra os responsáveis pela crise financeira culminando com o pedido de prisão à Interpol de diretores e presidentes dos bancos responsáveis pela quebradeira.
E não parou aí: a essa altura, a população queria mais mudanças e garantias; e decidiu que era hora de revisar a Constituição do país a fim de garantir que ficasse para sempre livre do poder exagerado das finanças internacionais e do dinheiro virtual. (A Constituição então em vigor era praticamente uma réplica da Constituição da Dinamarca, de quem a Islândia se tornou independente em 1918: a única alteração feita fora a troca da palavra "rei" por "presidente".)
Para redigir essa nova Constituição, ao invés de políticos, foram eleitos 25 cidadãos, dentre 522 adultos sem ligações com qualquer partido político recomendados por pelo menos 30 outros cidadãos.
E mais: o documento foi escrito via internet. As reuniões dos constituintes foram todas transmitidas ao vivo integralmente e abertas a participação e comentários de qualquer cidadão do país.
Esta nova Constituição será submetida ao parlamento para aprovação depois das próximas eleições.
A Islândia não só sobreviveu à "crise" de 2008, como se reinventou como país.
Isso, porque soube se unir e impedir que o grande capital internacional praticasse no país o mesmo estelionato que vem praticando contra as populações da Grécia e de Portugal (para ficarmos nos exemplos mais óbvios) que estão privatizando a preço de banana setores estratégicos e rentáveis das suas economias para o pagamento de dívidas contraídas por bancos privados contra bancos privados.
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