4 de ago. de 2018

FOFOCA


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Não gosto que falem dos outros para mim. Por educação, finjo ouvir enquanto me dou licença para pensar em assuntos mais construtivos, e nisso paro de dar aqueles sinais que todos damos quando acompanhamos a fala de alguém até que a pessoa ou se ligue que a conversa não me agrada e cuide de mudar de assunto, ou solicite feedback para a fofoca que vinha contando. Se pergunta sobre a pessoa objeto da fofoca, independente de eu gostar ou não da pessoa em questão, procuro falar algo em sua defesa ou me restrinjo a dizer que não conheço tal pessoa o suficiente para ter qualquer opinião. Geralmente é o quanto basta para pessoas suficientemente inteligentes mudarem de assunto.

Não gosto de falar de outras pessoas. Não porque gente não me interesse, que eu as despreze, ignore ou me julgue superior. O que não me interessa é ouvir detalhes íntimos de quem quer que seja, particularmente pela boca de terceiros. Minha lógica é simples: o que quer que alguém não tenha contado pessoalmente para mim, não cabe a mim saber. E, principalmente, o que quer que tenha sido a mim confiado, não cabe a mim falar para mais ninguém.

Assim, enquanto fulano fala, fala, fala e fala sobre cicrano, só consigo me perguntar o que fulano tem a ganhar revelando segredos de cicrano para outras pessoas. Afinal, fulano não se daria ao trabalho de perder minutos preciosos de vida me entediando com histórias sobre cicrano se não tivesse habituado a aferir alguma vantagem dessa conduta.

Numa visão deturpada de como as coisas funcionam, o fofoqueiro entende a fofoca como um meio de criar vínculos sociais. Só que vínculo de fato a gente cria se abrindo para o outro e expondo as próprias fraquezas e fragilidades. Pelo menos é assim que as pessoas sinceras se relacionam. O fofoqueiro, no entanto, por viver julgando para se sentir superior, teme tanto o julgamento dos outros que nessa troca ao invés de trazer para a roda o ouro da verdade sobre si mesmo, se esconde por trás da moeda podre da fofoca.

Muita gente faz isso inconscientemente. Apenas repete o padrão do ambiente onde se criou, julgando ser esta a maneira correta de estabelecer amizades, e vive angustiada tentando entender porque não consegue manter um amigo por muito tempo ou porque não consegue confiar em ninguém, e magoada porque as pessoas acabam sempre se afastando ou mesmo evitando-as. As únicas pretensas amizades que parecem sobreviver ao teste do tempo são com outros fofoqueiros em quem não podem confiar e com quem não podem contar num momento de necessidade.

É que essas relações nunca se aprofundam, nunca ganham significado, resumindo-se a um toma-lá-dá-cá de informações, um concurso para ver quem acha uma pérola no lodaçal. Sim, uma pérola, porque nesse exercício, os fofoqueiros podem eventualmente encontrar aquela informação sensível capaz de prejudicar a imagem de algum incauto. É a fofoca jackpot, a razão de ser de muito fofoqueiro de plantão. Mas como ambos sabem com que facilidade podem transitar de agentes para alvos da fofoca, o terreno onde as sementes da confiança e entrega mútuas deveriam ser plantadas, abandonado desde o começo da interação, vai se tornando não só infértil como inçado de intrigas e desconfiança.

A amizade entre dois fofoqueiros é uma espada de Damocles. Com o tempo, a ameaça de cair na desgraça pela boca do outro é a única coisa que a mantém. É quando você ouve a pessoa desabafar: "mas eu tenho que ir no aniversário de fulano". A "amizade" virou um fardo, uma obrigação.

É como aquela relação precipitada pelo calor da paixão, tão centrada na gratificação imediata das pulsões inconscientes, que ali se plantou de imediato, descuidando de garantir no terreno a presença das afinidades nos gostos, hábitos, visões de mundo e interesses que servem de sustento quando, passada a euforia e o glamour, o cotidiano se impõe com suas rotinas e, porque não dizer, banalidades.

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