1 de out. de 2007

UM MUNDO EM DESEQUILÍBRIO



Lembra o filme "A História sem Fim"? Lembra o "nada", aquela sombra aterrorizante que avançava engolindo tudo?

É o que aconteceu aos iraquianos. Do dia pra noite, o "nada" chegou.

O Iraque seria o Jardim do Éden, a reprodução do céu feita na terra por Deus. Terra de Abraão, da Torre de Babel, da Babilônia. Berço da agricultura, da escrita, da roda, da astronomia, da teoria jurídica, da burocracia e da urbanização. Terra da Árvore da Vida. Bagdá, a "Cidade das Mil e Uma Noites".

Assediada por mesopotâmios, sumérios, acadianos, babilônios, assírios, persas, gregos, árabes, mongóis, turcos e finalmente, os britânicos; violência, usurpação e saques fazem parte da memória cristalizada daquele povo.

Segundo a wikkipédia, o Iraque nasceu de uma "costura mal-feita" no fim da I Guerra. O primeiro ministro inglês da época pensou em apenas reduzir os gastos militares do Reino Unido em suas colônias. Disso, ele criou o país Iraque para otimizar custos, ao contrário que seria se tivesse feito outros países na região.

Em outras palavras: pra minimizar "custos", os sábios súditos da rainha enfiaram xiitas, sunitas e curdos no mesmo saco. Pau que nasce torto...

Mas, enfim, não vejo como um regime democrático poderia manter unidas essas facções cujo ódio remonta a milhares de anos. É a mesma tragédia dos ruandeses com os Utus e os Tutsi. "Briga de irmão é de difícil solução", teria dito a minha avó que era muito afeita a rimas. Bem ou mal, Saddam botou alguma ordem no galinheiro e o país prosperou a despeito da corrupção, da brutalidade e tudo o mais que sabemos (embora as tais armas químicas de destruição em massa e documentos que comprovassem o financiamento aos terroristas nunca tenham vindo a público).

Ergueram-se estradas, monumentos, escolas, universidades e hospitais. Centros comerciais, cinemas, condomínios... Bagdá tinha vida como qualquer grande capital. E tinha cultura também.

Mas então o "nada" chegou. Do dia pra noite as pessoas se viram privadas de todos os serviços e direitos. Apagaram-se as luzes, a água foi cortada, os serviços básicos de saneamento e saúde degradados ao mínimo. A ordem social se foi e se a guerra civil não tem proporções ainda mais catastróficas é porque há uma maioria que resiste, que luta desesperada e silenciosamente para voltar à normalidade.

Mas essa normalidade é uma miragem cintilando no horizonte árido dessa e das próximas gerações. Nada mais será normal por décadas. Milhões de vidas foram interrompidas e não há reparo, não tem conserto: kaputz!

Botar o lixo na calçada, ir ao médico, visitar familiares ou amigos, fazer jogging, passear o cachorro, ir à aula, trabalhar, ir às compras... Pra não falar em sair à noite, pegar um cinema, um restaurante: qualquer atividade é de alto risco. Ficar em casa pode ser uma atividade de alto risco.

De um lado as milícias fazem tiro ao alvo a qualquer coisa que se movimentedando a parecer alguma simpatia pelos yankees. Do outro, adolescentes imberbes com a adrenalina turbinada pelo medo e pelos hormônios jogam Doom pelas ruas, disparando primeiro pra nem perguntar depois.

Um povo estraçalhado. Sem reparo. Só resta rezar que depois de desmoronar o castelo de cartas que Saddam montou eles fiquem por lá até que a coisa começe a entrar no eixos. E se leva muito tempo pra construir uma nação, leva muito, mas muito mais pra reconstruir.

E sabe o que é pior? Essas vidas estraçalhadas, brutalmente interrompidas e violentadas poderiam ser as nossas; porque não há garantias num mundo em desequilíbrio.

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