3 de jan. de 2008

A CULPADA É A CORUJA



Se um único evento pode sintetizar a miséria espiritual da humanidade, para mim esse evento é o reveillon.

Alguém pode argumentar que o lógico seria o carnaval, mas contra este pesam restrições geográficas e culturais que fazem da "festa da carne" um evento localizado.


O reveillon é diferente: do espaço pode-se ver o rastro de explosões multicoloridas demarcando o avanço do novo ano pela superfície do planeta.


Dizem que é mágico.


Não vejo magia nenhuma nas bebedeiras, no barulho, na histeria, nos excessos e nas mortes que seguem no rastro dessa insanidade coletiva. Vejo o que são no dia seguinte: a sujeira nas ruas, o arrependimento, as emergências lotadas.


É assim, ano após ano, que começamos o Novo Ciclo. Convenhamos que não parece muito auspicioso.


O meu reveillon pessoal acontece ao despertar na manhã do dia 1º de janeiro, contemplando a paz das ruas finalmente desertas, ouvindo o canto aliviado dos pássaros por sobreviverem àquela noite de terror; apreciando o sono tranqüilo dos bebês finalmente livres de sobressaltos.

Nessa virada de ano, o grande show pirotécnico de Capão da Canoa; que reuniu milhares de pessoas em expectativa à beira-mar foi abortado. Os culpados? Três chordatas (ah, se ao menos também o fôssemos!), ou corujas-buraqueiras; mais precisamente: três Speotyto cunicularia; criaturinhas de 20-30cm de altura, pesando em média 170g com peito branco e plumagem caramelo e visão 100 vezes mais aguçada que a humana - aparentemente, em mais de um sentido.

Pergunto às dezenas de milhares de convivas roubados da pirotecnia:


Terá a falta dessa artilharia terríveis efeitos no destino da humanidade em 2008?


As festividades que marcaram a chegada de 2007 fizeram desse um ano melhor que 2006?


E tão festejada chegada do Milênio? Que melhorias trouxe à civilização?


Pois os erros não se corrigem com grandes pirotecnias; as injustiças não se apagam em grandes celebrações; a paz se faz distante da histeria das multidões; e o amor não visceja na ilusão.

Para aqueles que ainda acreditam que há uma Lei Cósmica da Ação e Reação segundo a qual nada acontece em vão, para os que crêem nas Asas da Borboleta; a ocorrência de Capão da Canoa encerra uma profunda lição:


Festejemos, sim, esse momento emblemático; mas no aconchego daqueles que realmente nos são caros, e o façamos em paz e harmonia evocando em silêncio a presença dos que amamos e cujo convívio não mais podemos desfrutar. Usemos a dita mágica desse momento para refletir e avaliar nossas ações passadas, buscando em nossos erros não a culpa, mas a sabedoria para corrigi-los.

Ao invés de esbanjar em fogos, bebidas, comidas e roupas caras que não mais terão uso ao amanhecer do ano cuja chegada brindamos; empreguemos esses recursos em gestos e obras que irão se reproduzir e perpetuar não só durante as celebrações do Novo Ano, mas ao longo deste e pelos que se seguirão.


E que 2009 entre no silêncio dos corações.


E 2010, 2011, 2012, 2013, 2014...

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