23 de abr. de 2009

ALGO PRA PENSAR ANTES DE ENTREGAR A ALMA AO DIABO


Percy Schmeiser foi prefeito da cidadezinha canadense de Bruno Sask de 1966 a 1983, e membro da Assembléia Legislativa de 1967 a 71.

Como vários outros agricultores em sua região, Schmeiser plantava canola há mais de 40 anos e estocava suas próprias sementes, desenvolvia suas próprias variedades e se sustentava plantando principalmente canola. Como vários outros agricultores de sua região, usava um certo herbicida (Roundup) desenvolvido e comercializado pela Monsanto.

E tudo ia bem, até a Monsanto desenvolver uma semente de canola completamente imune ao Roundup; a Roundup Ready. Claro, isso foi para o bem do agricultor, pois assim ele nunca mais arriscaria perder uma muda sequer pela fumigação.

Aqui faz-se necessário abrir aspas e explicar que para o bem da Monsanto, ela comercializa as sementes de uma canola geneticamente modificada para resistir ao seu próprio herbicida; mas retém os direitos sobre o DNA. Isso força os agricultores todo ano comprar novas sementes para o plantio, ao invés de simplesmente estocar da safra anterior. Agricultores que compram sementes geneticamente modificadas da Monsanto assinam um documento pelo qual além de se comprometerem a comprar sementes todo o ano, permitem que a Monsanto inspecione seus campos. Fecha aspas.

Sem nunca ter comprado uma única semente de Roundup Ready, em 1999 Schmeiser aos 68 anos de idade se viu no banco dos réus, acusado de plantio ilegal e, pior, de estocar sementes não licenciadas para o plantio. A Monsanto demandava o pagamento de exorbitantes 400 mil dólares por conta da infração de patente, taxas de tecnologia, um percentual sobre a safra (15 dólares por acre) e mais alguns milhares de dólares por danos morais.

Como?

320 hectares de sua plantação haviam sido polinizados pela canola Roundup Ready da Monsanto.

Controlar a contaminação por sementes é um negócio bem complicado, particularmente em época de colheita, porque elas são carregadas pelo vento e se alojam nas ranhuras dos pneus de veículos e tratores. Um exemplo conhecido é o capim annoni, uma espécie alienígena que chegou acidentalmente aos pampas na década de 50. Como ficava verde o ano inteiro, alguns pecuaristas apressados chegaram mesmo a importar e plantar sementes. Só depois foram descobrir que o capim annoni é indigesto para o gado por ser fibroso demais. Pior, por não ser nativo, o capim annoni não tem inimigos naturais e a despeito de todas as tentativas de erradicação, a área tomada pela praga vem se expandindo (já atinge mais de 20% das pastagens no Rio Grande do Sul), representando um prejuízo acumulado de dezenas de milhões de Reais.

Mas, voltando a Schmeister, ao contrário de inúmeros agricultores norte-americanos (alguns chegaram a pagar milhões), o canadense se recusou a entrar em acordo com a gigante multinacional.

E contra-atacou não só argumentando que o plantio de 1997 havia se dado com sementes próprias estocadas da safra de 96 como acusando a Monsanto de negligência por introduzir a canola modificada na região sem o devido controle e com isso causar contaminação nas lavouras dele.

E ainda foi além: exigiu na justiça uma indenização de 10 milhões de dólares, acusando a companhia de difamação, invasão e contaminação de sua lavoura com a Roundup Ready.

O caso foi parar na Suprema Corte, com a Monsanto insistindo em contra-argumentar que a contaminação era um fator irrelevante no caso, que o fato estava consumado e ele havia colhido a canola e lucrado com isso sem pagar à Monsanto os royalties a que tinha direito.

No melhor estilo salomônico, em 2001 a Suprema Corte canadense deu à Monsanto ganho de causa no que tange à patente enquanto ao mesmo tempo acatava a tese da contaminação.

Ao decidir contrariamente à regra pela qual sementes que chegam acidentalmente à propriedade de um agricultor passam a ser de sua propriedade, estabelecendo que tal não se aplica às sementes patenteadas; a Suprema Corte abriu um precedente que possibilitava ações de indenização por parte de agricultores prejudicados pela contaminação acidental por sementes transgênicas.

Em 2005, a Roundup Ready voltou a aparecer nos campos de Schmeister.

Em 2006 a esposa de Schmeister processou a Monsanto pela contaminação de Roundup Ready em sua horta orgânica.

Naquele mesmo ano, Schmeister viu os pés de canola Roundup Ready se multiplicarem em sua plantação de mostarda. Para "limpar" suas terras da praga, a Monsanto exigiu que assinasse um documento no qual comprometia a si e seus herdeiros a jamais processar a Monsanto em quaisquer bases.

Em 2007 o Escritório de Patentes dos Estados Unidos revogou quatro patentes retidas pela Monsanto, incluindo parte dos direitos sobre a Roundup Ready - sementes geneticamente modificadas podem envolver até 80 patentes diferentes.

Em 2008 a Monsanto concordou em custear a descontaminação da Roundup Ready na lavoura de Schmeister sem exigir em contrapartida que nem Schmeister nem seus herdeiros voltem a processar a companhia.

E há quem defenda com unhas e dentes a introdução dessas pragas por aqui.

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