Um galho inteiro do plátano em frente ao meu vizinho despencou estrepitosamente momentos atrás, me arrancando dos braços de Morfeu.
Em seu abandono, os velhos plátanos crivados de parasitas vão aos poucos se desfazendo de membros inteiros na luta pela sobrevivência.
Neste conglomerado humano, asfalto e concreto são as únicas prioridades.
Alguns instantes depois vi esta foto no Facebook.
A primeira coisa que me saltou aos olhos foi o contraste entre a sensação de liberdade, a pulsação de vida que a presença desse horizonte aberto despertou dentro de mim e a opressiva sensação de confinamento causada pelo que a vista de minha janela (e olha que sou privilegiada por ter uma praça logo do outro lado da rua), que me sujeita a um modelo de urbanização que não só permite como incentiva que o concreto se erga como uma muralha sequestrando o horizonte para disponibiliza-lo apenas a uma minoria por um preço adicional - ainda assim é questionável a qualidade do "horizonte" oferecido, já que a esta altura só mostra a proliferação desordenada do cancro de concreto e asfalto em todas as direções.
A felicidade se alimenta da beleza, e a beleza na mídia é como fast-food: enche os olhos mas não nutre a alma.
Não bastasse isso, a ausência de um horizonte, de alguma coisa bela e perene à distância priva-nos da noção de dimensão, de perspectiva.
Desenvolvemos uma visão míope da vida.
Sem perspectiva, sem dimensão, nosso modus vivendi et operandi é o imediatismo.
Imediatismo não é "viver no momento", como a propaganda gostaria que você acreditasse. Não é carpe diem, porque é muito mais frustrante do que prazeiroso.
Não é o Wu Wei, porque seu método de ação é projetado externamente, voltado a moldar o ambiente ao indivíduo, e não uma ação interna de transcendência dos fatores externos. Mesmo a falácia pseudo-zen do pensamento positivo e das manifestações é uma negação do Wu Wei, configurando via de regra apenas um retrocesso ao pensamento mágico da infância.
O imediatismo é a negação do Tao, o "Caminho"; e nisso, a negação do próprio universo no qual nos inserimos como uma mísera partícula de fóton, se tanto.
É viver num frenesi unidimensional, buscando resultados imediatos para problemas imediatos, sem nenhuma perspectiva passada ou futura, logo, sem nenhuma solução de continuidade.
Enclausurados entre as muralhas das nossas cidades, alienados da dimensão e perspectiva da Natureza - nossa referência mais próxima do Universo; fantasiamos ter criado um todo à parte, como se a Terra fosse uma bolha suspensa no vácuo onde imitamos os deuses do Olimpo, entretendo-nos com jogos de guerra e poder; quando uma tempestade solar de significativa magnitude (que um dia virá com certeza) é o que basta para nos pulverizar em segundos.
Sem a menor perspectiva da dimensão cíclica da natureza, mentimos, roubamos, chantageamos, manipulamos, prejudicamos, exploramos e chegamos a matar, como se os outros seres humanos não fossem mais que peões enfileirados para para serem dispostos conforme a vontade imediata em nossos tabuleirinhos de xadrez; quando um único meteoro com uma massa significativa (que um dia nos atingirá com certeza) é o que basta para que nada ou muito pouco reste da nossa empáfia.
Enfim, tudo isso para dizer que a única alternativa que vejo ao estado atual das coisas é um retorno á natureza: o que não implica absolutamente abrir mão da tecnologia de que dispomos mas antes adequá-la à promoção da vida e não da morte no planeta em todos os níveis.
A quem ainda não tenha lido, recomendo fortemente que procure, leia e releia Walden - A Vida nos Bosques, de Henry David Thoreau, publicado inicialmente em 1854 e hoje mais atual do que nunca. Este livro fornece todo o substrato intelectual para ajudá-lo a começar a visualizar alternativas práticas ao (comprovadamente fracassado) modelo de mundo em que vivemos.
Se não todas, boa parte das "síndromes", "distúrbios" e doenças em geral que afligem o homo-urbanus são meros sintomas de uma doença maior: a Síndrome do Déficit de Natureza.
Só existe um remédio para essa doença, e ele passa muito, mas muito longe da indústria farmacêutica. A cura começa ao se abrir os olhos e ver a ilusão pelo que é:
Controle imediato não é controle, é paliativo.
Poder imediato não é poder, é dominação.
Vida imediata não é vida, é sobrevivência.
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