6 de jul. de 2014

ELA, A ESCOLA


O que eu sinto estar errado no sistema de ensino é uma questão estrutural, de princípio, de como currículos são rigidamente estabelecidos e impostos tendo seus conteúdos exigidos à totalidade dos indivíduos no mais total e absoluto desrespeito à individualidade.

Não somos máquinas, "educação" não é um "processo" como produzir sapatos ou eletrônicos.

Educar (propriamente) uma criança é acima de tudo e antes de mais nada, uma interação. Não é um "processo" ou "procedimento" - atividades essencialmente unidirecionais em que um objeto sofre a intervenção de um sujeito. Não sei quanto a você, mas quando olho para uma criança, qualquer criança, vejo TUDO menos um objeto. Vejo um mundo, um manancial, um infinito de possibilidades; o divino em sua mais autêntica e pura expressão.

E me dói pensar que aquela centelha de vida, de amor, de pureza e curiosidade logo logo estará sendo violada, tripudiada, reduzida e diminuída pela máquina da "educação" - o mais eficiente dos mecanismos de opressão do estado, pois oprime de fora para dentro e reprime de dentro para fora.

Sim, não é "economicamente viável" pensar-se numa escola que não produza "conhecimento" de forma seriada e massiva.

Sim, não é "economicamente viável" a abolição do "currículo" pelo menos nas séries iniciais.

Ainda assim, é o que precisa ser feito. Urge que seja feito.

O que a ciência já revelou sobre a química e o funcionamento do cérebro humano por si só já basta para entendermos que NÃO EXISTE UM INDIVÍDUO IGUAL AO OUTRO NO PLANETA. Somos todos únicos. Cada um de nós experimenta, apreende, aprende e vivencia a existência de forma única. Cada indivíduo tem seu próprio ritmo de aprendizado, e suas próprias inclinações, que o levarão a interessar-se por temas de diferentes naturezas em momentos diferentes de sua evolução intelectual e emocional.

O que acontece quando a escola entra em nossas vidas?

Subitamente nossa curiosidade natural, nossa sede espontânea de conhecimento que é por natureza dinâmica, rica e variada; é bloqueada, canalizada e redirecionada para o que a sociedade determina e impõe como relevante ou importante tendo por critério unica e exclusivamente nossa futura utilidade (sim, utilidade) para o sistema econômico que a apoia.

Somos forçados, somos coagidos e obrigados a acumular pacotes pré determinados de "conhecimento" sobre temas pré determinados e numa ordem pré determinada; sob pena de sofrermos vexames, humilhações e toda a sorte de ataques pejorativos e aflitivos à nossa integridade (quando não sanidade mesmo) psíquico-emocional. Ataques esses cujos efeitos seguiremos sentindo ao longo de nossas vidas.

À indústria-escola não interessa se nunca na vida vamos encontrar um emprego prático para a fórmula da bhaskara: à indústria-escola tão somente interessa que a fórmula de bhaskara é "conteúdo obrigatório".

À indústria-escola tampouco interessa se em nosso "aprendizado" atingimos um nível mínimo de compreensão da fórmula de bhaskara, a sintetizarmos a complexidade do seu significado de maneira que nos habilite a dominar seus usos e aplicações e a empregá-la criativa e/ou construtivamente: à indústria-escola basta que tenhamos demonstrado nossa capacidade de aplicar mecânica e repetitivamente a fórmula de bhaskara aos modelos que pré-determinou com a variação mínima requerida pela eventual necessidade futura dessa "ferramenta" em outras áreas, e que isso ocorra o mais rapidamente possível para desocuparmos o assento deixando-o livre para o próximo bloco de "matéria-prima".

O problema com a maneira como educamos nossas crianças, e que resulta justamente na perplexidade e frustração de 9 entre 10 educadores que ainda se importam com o que estão fazendo nesta vida; é que o sistema escola-indústria é um monumental equívoco histórico.

Ele tem uma gravíssima falha de origem, de concepção: conhecimento não se forja a ferro e fogo como vem sendo feito desde a Revolução Industrial - aliás, pare e pense: não é no mínimo intrigante a coincidência existente entre o surgimento da escola como instituição e a Revolução Industrial? Porque foi lá, naquele momento, que a escola abriu as portas para o povo. E somente e tão somente (me repito para enfatizar) porque a indústria precisava de gente devidamente treinada para operar as suas novas máquinas, e capaz de ler os manuais de instrução para repará-las.

A escola "universal"*, seguida pelo "ensino obrigatório" que culminou na atual indústria-escola tem suas raízes na ECONOMIA, não na pedagogia. A pedagogia veio a posteriori, para tapar os buracos, para apontar os culpados sejam pais, alunos ou professores, mas nunca o sistema em si... Enfim, a pedagogia foi criada para tentar resolver os problemas que seguiram e seguem aparecendo, porque a RAZÃO de ser da indústria-escola tem um erro de ORIGEM. E ninguém precisa ser um Einstein pra saber que pau que nasce torto cresce torto e acaba morrendo torto ou apodrecendo e caindo por si.

Os sinais dessa podridão estão por aí, por todos os lados: no estágio de complexidade praticamente inadministrável que atingimos neste Terceiro Milênio, e no rastro dessa (doente) visão mercantilista do mundo e das interações humanas, "educação" é só mais um sistema econômico, mais um mercado, mais uma atividade para gerar renda e capital, mais um "produto". E quanto maior o interesse econômico, quanto mais capital um produto gera, maior a resistência da indústria em mexer na sua forma ou, no caso, na essência desse produto.

Mas é PRECISO, é URGENTE que se comece a pensar numa revolução aí. O futuro da humanidade depende disso.

Ouvimos diariamente a gritaria frustrada de uma legião de educadores e pedagogos sobre o crescente, o gritante a galopante empobrecimento da educação. Sobre o crescente, gritante e galopante declínio no "desempenho" dos alunos. Quem olha de fora como eu, não cansa de se abismar com a crescente, gritante e galopante estupidificação da humanidade como um todo.

E não pode ser diferente quando pelo erro de origem do sistema de educação vigente, o entretenimento acaba sendo a única dieta oferecida à curiosidade natural do ser humano. Uma dieta de fast-food em sua imensa, em sua esmagadora maioria.

Não digo que essa revolução de que falo deva se estender aos níveis ditos superiores da educação. Não sei, não pensei nisso. Por ora, só posso pensar que se os alunos chegassem a esses níveis de aprendizado tendo já satisfeita a sua curiosidade natural e definidas as suas inclinações; naturalmente chegariam a esses níveis dotados tanto das bases como da disciplina necessárias à extensão e aprofundamento desses conhecimentos.

Enfim, meu foco aqui é a infância, para quem é, repito, URGENTE e ESSENCIAL que reformulemos as estruturas e flexibilizemos os currículos, para que estimulem, que instiguem, que catalisem, enfim; a curiosidade natural (e essencialmente efêmera) que toda a criança tem sobre o que quer que a interesse a cada momento; ao invés de seguir impondo regras e barreiras e desvios que confundem e obstruem esse fluxo, gerando complexos, resistência, aversão, frustração e alienação da própria natureza e inclinações únicas em cada indivíduo.

O conhecimento penetra. E nisso demonstra ter a mesma qualidade da água. Se for demais, encharca o solo e se perde. Se for de menos, a terra se torna árida e infecunda. Como a água, o conhecimento deve ser distribuído com gentileza e em respeito às peculiaridades de cada tipo de solo.

Alguns requerem regas mais volumosas e frequentes para frutificar. Outros do pouco que recebem conseguem florescer em miríades de formas. Outros necessitam a adição de complementos que os tornem mais férteis.

Um mestre ou professor não tem condições de atender a demandas tão específicas quando tem ao seu cuidado mais de 10 ou 12 crianças.

Tampouco as diferentes proporções e variedades na dosagem desses conhecimentos podem ser respeitadas dentro de um sistema rígido e inflexivelmente atrelado a critérios quantitativos e competitivos que premiam ou punem indivíduos pelo atingimento de metas pré-estabelecidas.

Uma escola orgânica, dotada de maleabilidade para aceitar e estimular a unicidade de cada criança; seria uma escola de paz, de serenidade, de cooperação; provendo incontáveis oportunidades não só de multiplicação de conhecimento, mas de aprofundamento pessoal, de auto-conhecimento.

Pois é através dos assuntos aos quais nos inclinamos, dos temas que ressoam dentro de nós que começamos a nos identificar como pessoas, e encontrar nossos rumos e nosso caminho nesta vida.

Se tais oportunidades nos são negadas, como viremos a identificar nossa real inclinação e buscar as atividades que nos integrem e estimulem a crescer como pessoas, como indivíduos?

Não me surpreende nem um pouco que tantos cheguem aos 30, aos 40, ou mesmo aos 50 anos sem a menor noção do que querem fazer nesta vida; ou mesmo tendo já feito muita coisa, conquistado carreiras e estabilidade financeira, se sintam frustrados, abatidos e vazios de sentido.

Como poderia ser diferente, se durante todo o período em que deveriam estar provando e testando sua curiosidade e interesses, ao invés de serem estimulados nessa busca foram forçados ou mesmo coagidos a dispender ou mesmo restringir seu imenso potencial pessoal a temas por eles então percebidos como totalmente desprovidos de relevância?

Que oportunidade foi-lhes dada para desenvolver em si a curiosidade, o interesse, a observação, e a introspecção que natural e necessariamente as segue?

De que ferramentas a escola-indústria os proveu para ingressar no mundo adulto como criadores da própria existência?

E, finalmente, qual ou quais as válvulas de escape que cada indivíduo acabou desenvolvendo para dar vazão à sua curiosidade natural? Alienação e escapismo.

Alienação de si, e fuga do que é percebido ora como caos, ora como vazio interior.

Como adulto e pai, esse indivíduo só poderá gerar mais indivíduos alienados de si e fugindo do que é ora percebido como caos, ora como vazio interior. É tudo que tem a oferecer a seus filhos intelectual e emocionalmente.

Sim, eu sei que é muito difícil reverter as engrenagens. Mas essa engenhoca enferrujada e cheia de remendos ainda movida a vapor não nos serve mais neste Terceiro Milênio, e precisa mudar.

Precisa mudar logo. Radicalmente.

Fica o pensamento nesta manhã chuvosa de domingo.

Namastê!

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* Não sou de maneira alguma uma elitista contrária ao ensino universal e obrigatório. O que vou contra é a maneira e a estrutura desse ensino universal, e isso se aplica a escolas públicas e privadas, salvo raríssimas exceções.

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