15 de mar. de 2013

É VIVER MAL COMEÇAR SEMPRE A VIVER


BOM DIA!!!
 
Nascido em berço de ouro 4 anos antes da Era Cristã, Lucius Annaeus Seneca foi enviado a Roma aos 3 anos de idade para estudar oratória e filosofia. Passou uma temporada no Egito para recuperar a saúde abalada pelo rigor dos estudos, retornando a Roma no ano 31; ocasião em que iniciou carreira como advogado e orador logo chegando ao Senado. Seu nome provavelmente teria caído no esquecimento se não tivesse se envolvido com Júlia Livila, sobrinha do imperador Cláudio; que não gostando nada da idéia o mandou para o exílio.
 
Foi nos 8 anos de exílio que Sêneca se dedicou aos estudos e redigiu vários de seus tratados filosóficos, lançando os fundamentos do estoicismo.
 
Em 49, Agripina a Jovem, uma das esposas do imperador Cláudio, o trouxe de volta a Roma para servir como preceptor de seu filho Nero. E quando aos 17 anos Nero tornou-se imperador, Sêneca passou de preceptor a conselheiro, e com ajuda de Afrânio Burro, prefeito do Pretório, buscou orientar o jovem pupilo para uma política justa e humanitária.
 
A fórmula funcionou por cerca de 7 anos, mas começou a desandar em 59 quando Nero mandou executar Agripina. Sêneca acabou se retirando da vida pública em 62. Nesse período produziu seus últimos tratados: "Naturales Quaestiones" (Problemas Naturais), "De Tranquillitate Animi" (Sobre a Tranqüilidade da Alma), "De Vita Beata" (Sobre a Vida Beata) e as "Epistolae Morales" (Epístolas Morais), dirigidas a Lucílio, em que reúne conselhos estóicos e prega uma fraternidade universal muito próxima ao cristianismo.
 
Em 65 foi acusado de participar na conspiração de Pisão, que planejava o assassinato de Nero. Sem direito a julgamento, foi forçado ao suicídio, que cometeu cortando os pulsos serenamente na presença de vários amigos.
 
Eis um trecho das "Epistolae Morales":
 
"Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade.
 
Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o  olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal.
 
Qual é esse cabedal?
 
Tu mesmo, e a melhor parte de ti.
 
Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto.
 
Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
 
Em que consiste o verdadeiro bem - quereis saber - e qual é a fonte de onde emana?
 
Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho.
 
Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo, ou que, mesmo sem entusiasmo, a eles se deixam levar pelo acaso, como poderiam encontrar, eles que são tão hesitantes e indecisos, uma certeza, um ponto de apoio? São raros os que se guiam por conselhos e por eles administram os seus negócios. A maioria não tem um modo de proceder regular, mas deixa-se arrastar como os destroços que flutuam nos rios. Uns, retidos em águas tranquilas, são carregados brandamente; outros derivam ao sabor da corrente; eis este que a onda, perto da margem, nesta depôs languidamente; aqueles, presos no turbilhão, correm a se perder no mar. Temos, pois, de determinar qual deva ser o objecto do nosso querer, e a ele nos ater com perseverança.
 
Eis agora o momento de saldar a minha dívida. Vou-te pagar com um dito do teu caro Epicuro, que finalizará a carta de hoje:
 
"É penoso estar sempre no começo da vida."
 
Ou, se o pensamento ganhar maior relevo:
 
"É viver mal começar sempre a viver."
 
 - Como isso? - perguntas.
 
O dito reclama, com efeito, uma explicação.
 
Uma vida assim é sempre imperfeita. Ora, não se pode estar pronto para morrer se apenas se começou a viver.
 
Façamos como se tivéssemos sempre vivido bastante: esta condição, o homem que prepara com exactidão a trama da sua vida, não a cumpre.
 
Não penses que o caso se aplique a um pequeno número de pessoas; é quase que o de toda a gente.
 
Alguns começam no momento em que é mister acabar.
 
Tu te espantas? Eis algo com que te espantares ainda mais: alguns deixaram de viver antes mesmo de ter começado."
 
(imagem: "Hut", arte conceitual do iraniano Akram Kasravi Fard)

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