7 de fev. de 2014

PRA LER E PENSAR


Abertura oficial das Olimpíadas de Inverno de Sochi, "as piores de todos os tempos" já antes mesmo de começar. Até aí tudo bem: as de Londres em 2012 já levaram o caneco, juntamente com Pequim (2008) e Atenas (2004). É que falar mal das coisas parece dar um IBOPE danado hoje em dia.

Mas a crítica à Sochi 2014 vem aditivada desde que a Rússia, ao publicar uma lei visando proteger suas crianças da sexualização precoce promovida pela (falta) de cultura disseminada pela mídia de massas, foi declarada inimiga mundial dos gays.

Intrigado com o fato, o repórter independente norte-americano Brian M. Heiss fez o que NINGUÉM na grande mídia, ou do público em geral, se deu ao trabalho de fazer: arregaçou as mangas e tratou de investigar. (Aqui a íntegra do documento.)

Ao invés de uma matéria, acabou escrevendo uma tese, que pode ser lida em sua íntegra (em inglês) aqui. São 73 páginas de bom jornalismo, aquele que mostra os fatos e estabelece comparações sem induzir nossas conclusões; mais 56 páginas de documentos legais - entre eles a Lei Federal "A Proteção das Crianças de Informação Danosa à sua Saúde e Desenvolvimento" aprovada em 24 de dezembro de 2010 sem que nenhum veículo da mídia internacional sequer fizesse menção - o furor só emergiu depois da Rússia punir algumas empresas dando a entender que a lei era mesmo pra valer.

Eu li a matéria e recomendo a todos que têm um cérebro e estão habituados a usar. Leituras como essa servem de antídoto para a doutrinação maçiça a que somos submetidos 24 horas por dia; revelando o princípio sórdido do lucro pelo lucro como imperativo universal de uma sociedade que não poderia se importar menos com suas próprias crianças, seu próprio futuro.

Resumidamente, a análise de Heiss indica que:

A histeria focou na expressão "proteger as crianças da propaganda de relações sexuais não tradicionais". Como se só as relações homossexuais fossem "relações sexuais não tradicionais".

De fato, se alguém neste mar de desinformação se desse ao trabalho de investigar antes de abrir a boca, iria descobrir que na Rússia o direito PESSOAL à opção sexual é garantido POR LEI desde 1993 - ela segue sendo CRIME em 12 estados norte-americanos.

Tampouco lá a opção sexual serve de base para a demissão - o mesmo não se pode dizer dos bastiões da democracia. Aliás, estatisticamente, os gays sofrem mais agressões e crimes de ódio nos Estados Unidos da América do que na Rússia.

Se é assim, então porque todo esse furor?

Simplesmente porque o alvo dessa lei são as grandes corporações, com seus produtos e propaganda que imbecilizam e sexualizam precocemente nossas crianças. É uma lei que foca no SHOW BUSINESS: 

"Esta lei, falando francamente, é mais endereçada ao show business. A lei se dirige à mídia de massa e ao show business. Esta é uma das leis no complexo de medidas que estão sendo tomadas no campo do show business.", afirma o deputado Alexei Mitrofanov.

Por quê?

Porque na Rússia o entretenimento é um mercado de 178 BILHÕES de dólares. São 1,2 bilhões de dólares só na venda de ingressos para o cinema, e mais de 10 bilhões de dólares em publicidade (dados de 2012). E a distribuição de videogames segue um ritmo de crescimento médio de 11% ao ano, devendo chegar a 1,8 bilhões em 2017.

Se o "show" da Beyoncé no Grammy tivesse acontecido na Rússia, a gravadora e os promotores do evento pagariam multas pesadas e a cantora, além da multa, ainda prestaria serviços comunitários por duas semanas.

E isso não interessa às grandes corporações, que "coincidentemente" controlam todas as gigantescas redes internacionais de notícias. Ainda mais num momento de estagnação, quando não de retração, de seus mercados tradicionais. Os únicos mercados em expansão somos nós, os emergentes.

O que concluo de tudo isso?

Precisamos acordar para o fato de que nosso bem-estar não é do interesse das grandes corporações. Que qualquer iniciativa para proteger princípios, ética e valores locais, ou que simplesmente interfira nos interesses econômicos das grandes corporações; será combatida com ferrenhas campanhas difamatórias de anti-propaganda, insuflando "manifestações"  que nada mais são do que eventos midiáticos orquestrados para gerar imagens emocionalmente impactantes para bloquear de antemão qualquer tentativa de argumentação racional. Quem assistiu ao filme sobre a Hannah Arendt sabe exatamente do que eu estou falando.

A essa altura do campeonato é imperativo compreender que a máquina do sistema de produção para as massas é um organismo que cresceu tanto em tamanho e complexidade que não comporta sequer uma mínima adaptação às especificidades de povos e culturas. Sua estratégia de sobrevivência é o gigantismo do rolo compressor que equaliza a todos dentro de uma margem pré-definida de gostos e valores.

Dentro desse sistema de produção em larga escala, pluralidade é sinônimo de prejuízo: mais que diversificar a linha de produção adequando-a a públicos diversificados, o sistema se dedica à erradicação da diversidade, moldando o público ao padrão pré-determinado de seus produtos.

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