SE ME ALEMBRO BEM...
Era a
senha.
As mãos
trêmulas, de dedos nodosos e enrugados tateavam incertas os bibelôs
na cristaleira, perfilados como recrutas diante da bandeira a
tremular nos embaçados olhos descoloridos.
Com um
suspiro, nos resignávamos, tamborilando dedos, rolando os olhos e
distraindo os ouvidos com qualquer som que viesse de fora da janela.
Alheias
à nossa falta de respeito, as pupilas cintilavam ao encontrar o
objeto da súbita erupção mnemônica. A pele amarelada e áspera se
fazia aveludada percorrendo carinhosamente cada minúcia do
intrincado crochê enfeitado com miríades de miçangas coloridas.
Cada
lembrança ele guardava assim. E a cada invocação, perdia-nos em
devaneios acrescentando pontos e firulas.
Com o
passar dos anos, os pequenos bibelôs se tornaram irreconhecíveis; e
a coleção tão extensa, tão complexa, que ao buscarmos em nossas
próprias lembranças não os associávamos mais.
Descuidamos dos sinais: o tatear incerto se fez trôpego, os nomes que se confundiam, as miçangas e crochês trocando de tempo e
lugar.
E as
pupilas baças... Ah, antes tivéssemos reparado! Mas não, mais
preocupados em seguir os ponteiros do relógio do que as filigranas da sua narrativa, deixamos de reparar em como voltavam-se cada vez mais para
dentro; e no quanto lhes custava retornar.
Ocupados
em adornar nossos próprios bibelôs, nem reparamos quando os crochês e as miçangas desapareceram.
Então foram-se os bibelôs, e ele calou.
Hoje os olhos
baços contemplam a cristaleira vazia, e é só.
Não nos dirige palavra nem olhar: nos ignora.
Partiu com seus bibelôs enfeitados para
além do reconhecimento.
(foto: "Old Hands", por Alex Algo)
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