26 de jan. de 2018

DA RAIVA AO NOJO


Se você deixou de se culpar por tudo e agora está com raiva, mas fervendo de raiva do narcisista, saiba, antes de mais nada, que está coberto de razão. Não permita que ninguém lhe roube o direito à raiva de ter sido ludibriado, enganado, humilhado e pisoteado por alguém em quem confiou: essa raiva que você está sentindo agora é um instinto e é comum a todos os seres humanos, por mais evoluídos e iluminados que sejam - ou pretendam ser.

Não existe coisa mais revoltante para o ser humano do que ser o alvo de alguma injustiça. Então, grite e esperneie o quanto e enquanto precisar - só não espere que os outros compreendam e muito menos tolerem a sua raiva, porque só quem passou pela mesma experiência é capaz de compreender a extensão da crueldade de que você foi vítima e, de mais a mais, narcisistas são hábeis em manter a aparência mais inocente do mundo ao mesmo tempo que espalham horrores sobre você.

Aliás, eles têm o hábito perverso de inverter os papéis, acusando você de ter cometido justamente as barbaridades que eles mesmos fizeram: se o narcisista além de trair ainda raspou a sua conta bancária, pode ter certeza que a história que ele cuidou de botar em circulação é que você arranjou outra pessoa e fugiu levando todo o dinheiro dele. É que mentira fica mais fácil de lembrar se tiver alguma verdade, compreende? O fato a recordar é bem simples e direto: alguém traiu e sumiu com o dinheiro do outro. Para não deixar furos na história, o narcisista só precisa trocar o "quem" - o que para ele é bem fácil, já que é incapaz de admitir qualquer erro. E, pior: com algum tempo e repetição ele acaba se convencendo da própria mentira. Sim, isso acontece. E é espantoso.

Enfim, se depois de tudo que aconteceu, ainda por cima ficou sabendo das mentiras que o narcisista espalhou ao seu respeito, você tem todo o direito de ficar enfurecido. Agora, um conselho de amiga: nem perca tempo tentando desmentir e limpar a sua reputação, porque o narcisista chegou primeiro com todas as pessoas com quem teve contato, e o mais provável é que já viesse inventando mentiras desde antes da lua de mel. E odeio ser portadora de más notícias, mas no que tange à mentira, a vantagem imediata é sempre de quem chega primeiro ( é justamente por isso que o narcisista já se empenha em minar a sua reputação desde o começo da relação); porque depois de uma pessoa ter comprado uma versão da história é muito difícil levá-la a mudar de ideia mesmo com todas as provas e argumentos racionais. Então, poupe-se mais esse estresse: ao menor sinal de que a pessoa acredita na mentira, deseje luz e se afaste: quanto mais você insistir que é inocente, mais culpado parecerá aos olhos de quem acreditou na mentira. Parece paradoxal, mas é assim que funciona. O narcisista pode até enganar pela lábia, mas a sua falta de caráter acaba sempre se revelando pelas ações.

Permita que o tempo aja em seu favor e ao invés de ficar remoendo o assunto e com isso relembrando as pessoas da mentira que ouviram, permita que se distanciem o suficiente para formar as próprias opiniões, e vá separando o joio do trigo na medida que elas forem se manifestando tendo sempre em mente que assim como você, muitos outros foram e virão a ser enganados pelo narcisista. E não caia na tolice de competir com ele confundindo popularidade com amizade: muita gente popularíssima nas redes sociais não tem a quem recorrer num momento de necessidade. Aproveite todo esse incômodo para reestruturar as amizades e a maneira como se relaciona com as pessoas, separando o joio do trigo e retribuindo proporcionalmente a confiança que sente receber, do que lutando para manter por perto pessoas em quem não pode confiar. É incomparavelmente melhor ter um único amigo em quem podemos confiar do que centenas de milhares de "seguidores" que não terão o menor problema em ignorá-lo caso venha a precisar de qualquer coisa.

Eu sei que é duro, e tem momentos que a verdade chega a queimar na garganta da gente, mas tentar defender-se acusando o narcisista é entrar como um patinho no poço de lama que ele deixou preparadinho para lhe afogar; porque pode ter certeza que é precisamente o que ele espera que você faça, porque como a pessoinha insegura e medíocre que é, o narcisista é altamente vingativo e por se julgar acima de todos e em pleno direito de destruir vidas e reputações, não existem limites para a sua perversidade.

Então, permita-se sentir raiva, mas ao invés de envolver outras pessoas, ou cair em mais uma arapuca que o narcisista deixou armadinha só esperando que você caia, busque alternativas saudáveis e positivas para extravasar: compre umas luvas de boxe, faça artes marciais, caminhe, faxine a casa, dance, o que quer que funcione e não represente risco para os outros e você mesmo. Eu, por exemplo, escrevo. Tudo que eu gostaria de falar para as pessoas mas sei que não adianta, eu boto no papel e depois eu queimo porque escrevi para desabafar, não para ler e ficar com mais raiva ainda.

Use toda a energia fornecida pela raiva como a locomotiva que vai levá-lo à maior distância possível do narcisista e todo o circo de horrores que ele criou na certeza que todo o mal cedo ou tarde tem retorno - e quanto mais tarda, maior o retorno; e que por trás da fachada feliz e bem sucedida que ele exibe para o mundo, habita um ser humano absolutamente solitário, insatisfeito, rancoroso e paranoico; e isso sozinho já é um carma tremendo para se carregar.

Mas para além da raiva, o sentimento a ser buscado na trajetória da cura é o nojo, porque ele sim é sintoma de que a luz do sol está voltando para a sua vida. Nojo é bom, porque chegamos ao nojo quando identificamos o que nos faz mal e como o faz. Feridas emocionais que deixamos infeccionar são a porta de entrada, e narcisistas e outras pessoas emocionalmente perturbadas são como larvas de moscas varejeiras, que se aninham e alimentam das nossas infecções. É uma imagem bem nojenta, eu sei, mas essa é exatamente a ideia, porque essas larvas nojentas incomodam tanto que fica impossível seguir ignorando a ferida.

É esse nojo de ver na própria pele o pedaço de carne putrefata onde o narcisista se alojou com todo o conforto, alimentando-se e usando-o contra nós que vai ajudar você não só a promover uma boa higienização na sua vida emocional, como tomar as medidas necessárias a impedir que se repita caso volte a se machucar. Além disso, conseguir visualizar o narcisista como o verme alojado na sua ferida acaba de vez com a imagem grandiosa e onipotente de que ele depende para seguir prejudicando pessoas sem arcar com as consequências - e mentalizá-lo como tal é uma excelente estratégia para acabar de vez com a falsa imagem que ficou gravada na sua cabeça.

Por importante e justa que seja a raiva, elá só persiste enquanto você seguir comprando essa falsa imagem. No instante que começa a vê-lo pelo que realmente é, o sentimento passa a ser de nojo não da pessoa em si, mas da podridão que precisa para sobreviver. E quando o nojo se instala, você só quer é muita limpeza, ar puro,  paz, saúde e sossego na companhia das pessoas que se provaram dignas da sua atenção, tempo e afeto tendo passado pelo filtro de mentiras e armações do narcisista, somadas ao novo círculo de gente honesta, leal e madura que começará a encontrar pelo caminho.

Namastê!

4 comentários:

  1. Luiza, obrigada por esta tão esclarecedora postagem. Todo o material que você postou sobre "Narcisismo", tem me ajudado muito no meu drama pessoal e solitário. Que Deus abençoe sua vida.

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    1. Elaborei esta série justamente pensando em ajudar quem sofre com as consequências fornecendo o máximo de informações para ajudar a identificar o problema e nomeá-lo, definindo com clareza a situação para romper a teia de culpas, medos, ameaças, mentiras e detratações que usam para nos aprisionar.

      Espero estar ajudando você a dar os primeiros passos para a lberdade de uma vida mais plena e harmoniosa.

      Namastê!

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    2. Eu vivi 17 anos com um narcisista. Tive 3 filhos com ele em comum, gêmeos , uma menina e um menino agora com 8 anos , sendo que o menino tem autismo e uma pequena com 3 anos. Dos 3, apenas a mais velha tem adoração pelo pai. Separei me no início de 2020 e com denúncia na polícia por violência doméstica contra ele. Eu estava um caco e os policias perceberam isso assim que entrei na delegacia. Passado um mês ele começou a vir no sábado para estar com as crianças umas horas no parque. Gradualmente fui notando alterações no comportamento da minha filha mais velha. Este fim de semana ele a levou para estar com ele em casa dele. Minha filha não aceita a separação. Já foi agressiva comigo dizendo mesmo que ia infernizar a minha vida enquanto eu não voltasse para o pai. Insiste em querer voltar para a sua escola antiga ( apesar de ter sofrido bullying lá). Eu faço um esforço por ela manter ainda assim algum contato com o pai mas sei que ele tenta manipula la a todo o custo. Noto a mais distante de mim. No entanto quando está em casa dele, ela liga me pelo menos 3 vezes por dia. Não quero fazer lá sofrer pois sei que ela tem apego forte por mim também mas está confusa pela manipulação constante que ele faz com ela. Estou a ficar deprimida e dói me ver que eu me separei para bem dela e dos irmãos também, mas ela não consegue perceber isso. Apenas a obsessão de voltar a ver os pais juntos. Já expliquei a ela de várias formas a que entendesse o quanto éramos infelizes antes e que eu sendo mãe dela também preciso de ser feliz. Peço um conselho. Estou a ficar doente de ter de ver aquela criatura.mais vezes que eu esperava. Obrigado ��♥️

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    3. Primeiro de tudo e antes de mais nada, querida, para o bem da sua saúde mental é importante adotar o mantra "ISSO NÃO É PARA SEMPRE". Sei que agora em meio a tanto sofrimento e injustiça fica difícil ver a luz mais adiante, mas essa situação não vai durar para sempre e perseverar na convicção que eventualmente sua menina vai começar a ver quem realmente é esse "pai" e compreender sua decisão.

      Em segundo lugar, se dispõe de meios, busque auxílio de terapeutas com experiência em abuso doméstico para você e seus filhos - particularmente sua menina que deve estar sofrendo muito com a manipulação desse perverso.

      Para além disso, o melhor que você pode é amar seus filhos, educá-los e fazer valer cada momento que estão juntos. A manipulação do narcisista visa justamente estragar esses momentos, entende? O que ele quer é que todos sofram por terem ousado se rebelar contra o poder absoluto que ele fantasia ter. Não dê a ele esse gostinho: não permita que ele siga terceirizando o abuso. Converse com seus filhos, invente atividades para fazerem juntos, dê espaço para sua filha manifestar os sentimentos de raiva e frustração, mas não dê trela para o discurso que o narcisista planta a cada visita. Use de sua autoridade de mãe para não entrar em discussões com firmeza e serenidade.

      Aliás, serenidade é a chave, amada. Sei que não é fácil - até o Dalai Lama perde a cabeça de vez em quando -, portanto não se cobre demais, mas persevere nesse caminho. Para isso, algumas pequenas mudanças de rotina podem ajudar muito, como manter um diário anotando o que quer que lhe passe pela cabeça logo que acorda (não é pra ser poesia, esse diário é pra ser qualquer coisa mesmo, até lista pra lavanderia tá valendo! O importante é escrever algumas linhas todos os dias - com a prática você vai começar a sentir a diferença, confie em mim); edificar seu cantinho do sossego (aquela poltrona à beira da lareira, a rede ao sol, o pequeno altar com velas e fotografias das pessoas amadas ou mesmo o balcão da cozinha, sovando pão... o que quer que lhe traga paz e aconchego; e usar esse lugar); finalmente, OBSERVE, NÃO ABSORVA!!! Comece contando 10 segundos ANTES de responder toda a vez que se sentir acuada e use esse tempo para se perguntar "o que essa pessoa realmente quer? Qual a sua intenção com essa atitude?". Vá praticando passo a passo, se desanimar, pense no Karatê Kid pintando aquela cerca enorme uma pincelada de cada vez - porque na vida é assim que se faz: uma pincelada de cada vez, um dia de cada vez e agradecendo por cada dia o sossego que conquistamos.

      Espero ter ajudado.

      Namastê.

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