5 de fev. de 2013

NUM DIA COMO OUTRO QUALQUER...




5 de fevereiro de 1919 foi um dia como qualquer outro para muitos bilhões de pessoas.

Mas em Hollywood, decididos a se livrar das amarras dos poderosos estúdios comerciais,  D.W. Griffith, Charlie Chaplin, Mary Pickford, Douglas Fairbanks e William Gibbs McAdoo (que não era ator, mas um senador democrata, ex-Secretário do Tesouro e genro do presidente Woodrow Wilson), fundavam a United Artists.

Desde 1918, quando Faribanks, Chaplin, Pickford e o astro cowboy William S. Heart percorreram juntos o país vendendo bônus para ajudar os esforços do país na I Guerra Mundial. Entre uma conversa e outra, e muitas reclamações sobre más condições de trabalho e limites impostos à criatividade pelos interesses comerciais dos grandes estúdios da época, a certa altura veio a ideia.

Os internos estão tomando o asilo. - foi a reação jocosa de Richard A. Rowland, cabeça da Metro Pictures (que viria a se tornar Metro Goldwyn-Mayer em 1925) à fundação da UA.

Isso dá uma boa ideia de como os artistas, que são corpo e sangue do cinema, eram (e continuam sendo) vistos pelos homens do dinheiro.

Em seus termos iniciais, a UA se propunha a produzir 5 filmes por ano, o que já entre 1920-21, tempo que levou para a companhia sair do papel e arregaçar as mangas, provou-se inviável dada a melhoria na qualidade de produção e a extensão da duração dos filmes para 90 minutos (8 rolos - se você já se perguntou porque o padrão de duração dos filmes da indústria cinematográfica é de 90 minutos, taí a resposta: dois projetores em cada sala de cinema, 4 rolos para cada um, facilitando o transporte e manuseio e com um intervalo aos 45 minutos aproximadamente para que as salas vendessem petiscos e bebidas incrementando a renda).

Em 1924, Griffth abandonou o barco. Os sócios então contrataram o veterano produtor Joseph Schenck para assumir a presidência da UA. Schenk. Provando que nepotismo não é exclusividade brasileira, ele trouxe na bagagem sua mulher (Norma Talmadge); sua cunhada (Constance Talmadge) e seu cunhado (ninguém menos que Buster Keaton).

Também por sua iniciativa a companhia assinou com produtores independentes como Samuel Glodwyn, Alexander Korda e Howard Hughes. Também foi de Schenck a ideia de criar uma sociedade paralela para a construção de salas de exibição sob o nome da United Artists, bem como expandir a área de operações para o Canadá e o México.

Na década de 30 a UA já era representada em 40 países.

Mas essas conquistas não implicaram em bonança: o dia-a-dia da UA era de luta e muito trabalho. Em 1933, Schenck se demitiu para fundar a 20th Century Pictures que logo passou a fornecer quatro filmes por ano à United Artists.

Como Pickford e Faribanks haviam encerrado suas carreiras e Chaplin estava tão rico que só trabalhava no quê queria e quando queria; a UA produziu poucos filmes por conta própria, e em muitas vezes tendo nomes como Glodwyn, Korda, Walt Disney, Walter Wanger e David Selznick como parceiros.

Com o tempo, esses parceiros se dispersaram fundando suas próprias companhias e em 1940 a United Artists virtualmente deixara de existir, mas por uma boa causa: 

Em 1941, Mary Pickford, Charlie Chaplin, Walt Disney, Orson Welles, Samuel Goldwyn, David O. Selznick, Alexander Korda e Walter Wanger fundaram a SIMPP - Society of Independent Motion Picture Producers (sociedade de produtores independentes), que tinha por objetivo defender os interesses dos produtores independentes contra as práticas anti-competitivas dos grandes estúdios que controlavam a produção, distribuição e exibição de filmes.

É de iniciativa da SIMPP, por exemplo, o processo movido contra a Paramount por truste, por conspirar pelo monopólio das salas de exibição em Detroit. Pode parecer pouco, mas esse processo mudou a história do cinema nos Estados Unidos, pois em 1948, por ordem da Suprema Corte, os grandes estúdios de Hollywood tiveram que se desfazer de suas cadeias de teatros e abster-se de práticas anti-competitivas, decisão que lançou as bases da etrutura atual de produção e distribuição cinematográfica norte-americana.

Durante todo esse período em que a UA ficou em segundo plano, ela parecia destinada a desaparecer silenciosamente. Mas em 1951 dois advogados (Arthur Krim e Robert Benjamin) que haviam decidido aventurar-se juntos no fantástico mundo do cinema, buscaram Pickford e Chaplin com uma proposta maluca: assumir o controle da United Artists por 5 anos com opção de compra se ao final desses 5 anos a companhia fosse lucrativa.

Não vendo nada a perder, Pickford concordou imediatamente. Mas Chaplin só foi concordar em 1952, quando o governo americano revogou seu visto de entrada enquanto ele se achava em Londres para a estréia de Luzes da Ribalta.

Ao assumirem a UA, Krim e Benjamin logo trataram de se livrar dos custos fixos, criando o primeiro estúdio "sem estúdio": atuando mais como banqueiros que como produtores como até então se conhecia a função, eles se ofereciam para custear produções independentes, arrendando os estúdios da Pickford/Fairbanks quando necessário.

Dentre seus primeiros "clientes" destacam-se Sam Spiegel e a Horizon Productions, de John Huston. Logo vieram Stanley Kramer, Otto Preminger, Hill-Hecht-Lancaster Productions e diversos atores recém libertos de contratos e ansiosos por produzirem seus próprios filmes.

Em 1955, mesmo ano em que Pickford vendera sua parte da sociedade, a UA ganha seu primeiro Oscar pelo filme Marty, estrelado por Ernest Borgnine (agraciado na ocasião com o Oscar de melhor ator).

Em 1956, a UA torna-se uma sociedade de capital aberto e segue prosperando enquanto os grandes estúdios com estruturas arcaicas e pesados custos operacionais caíam em decadência.

Em 1958, sempre inovando, a UA cria a United Artists Records, inicialmente para lançar em disco as trilhas dos filmes. (A UAR acabará seguindo um curso próprio, abarcando diversos gêneros musicais, prosperando, fazendo fusões e direcionando o foco para longe do cinema até ser absorvida pela EMI em 1968.)

Em 1959, depois de encalhar diversos pilotos de séries para a televisão, a UA estréia na telinha pela NBC com a série The Troubleshooters.

Em 1960, atenta à rápida disseminação da tv, a UA cria uma divisão para a telinha, produzindo shows para a CBS e ABC; ao mesmo tempo que construía uma rentável biblioteca pela compra da Associated Artists Productions, proprietária das animações da Warner Bros e de vários curtas e animações da Paramount Pictures, que detinha, entre outros, todos os direitos da série do Popeye.

Em 1961, a United Artists lança West Side Story, e é agraciada com o recorde de 10 Oscars, incluindo o melhor filme.

Foi pela UA, em 1964, que os Beatles entraram no mercado norteamericano, com os filmes A Hard Day's Night e Help. Ainda com olhos voltados para o mercado criativo britânico, a UA investiu em trazer para a telona a popular série de novelas britânicas James Bond, de Ian Flemming - o resto desta história eu não preciso contar: a série continua gozando de estrondoso sucesso quase 50 anos depois.

1964 foi um ano bem movimentado na UA também pelo lançamento da primeira produção da subsidiária francesa da UA, L'Omme de Rio, que marca a estréia de Jean-Paul Belmondo em produções comerciais - até então ele só atuara em filmes mais cult, sob a direção de Godard e Melville.

Em 1967, Krim e Benjamin vendem o controle da UA à Transamerica Corporation, seguindo na direção, ao lado de Eric Pleskow; que com isso passa a ser só mais um ramo do gigante conglomerado.

Ainda assim, até 1978 a UA consegue manter o status criativo atraindo nomes como Woody Allen, Robert Altman, Milos Forman, Saul Zaentz e Brian de Palma, e, numa jogada mais comercialmente bem sucedida, lança as franquias "A Pantera Cor de Rosa" e "Rocky" (estrelado por Sylvester Stallone), enquanto segue lançando filmes da série James Bond.

Mas atritos constantes com o comando central da Transamerica, particularmente pelo lançamento de filmes como Midnight Cowboy e "O Último Tango em Paris" (taxados como "pornográficos" pela Motion Picture Association of America), culminaram com o pedido de demissão de Kim, Benjamin e Pleskow, fato que esquentou os ânimos em Hollywod a ponto de alguns nomes de peso se juntarem para publicar na mídia de Los Angeles um anúncio publicitário advertindo a Transamerica de que havia cometido um erro fatal ao deixá-los partir.

E não se pode dizer que estavam enganados, pois imediatamente após a saída to trio, a UA aventurou-se no que viria a ser conhecido como um dos maiores fracassos de bilheteria da história do cinema, ou "o filme que matou o western"; a milionária produção de "O Portal do Paraíso" (Heaven's Gate), dirigida por Michael Crimino, ganhador de um Oscar pelo filme "O Franco Atirador" (Deer Hunter). 45 milhões de dólares foram gastos na produção desse longa de 4 horas de duração em que, durante as filmagens, mais de uma vez o megalomaníaco diretor repetira mais de 50 tomadas para uma única cena.

Nem o lançamento de uma versão reduzida, com 149 minutos de duração salvou a UA do prejuízo de 98%, e o filme saiu de cartaz tendo rendido pouco mais de 1 milhão e uma Framboesa de Ouro para Crimino.

Paradoxalmente, esse fiasco é o que garantiu a sobrevivência do nome United Artists, já que antes dele a direção da gigante Transamerica vinha considerando mudar seu nome para Transamerica Pictures.

Na década de 80, provando que a ironia é uma constante na História, com a retirada da Transamerica do mercado cinematográfico, a UA foi abosrvida pela Metro Goldwyn-Mayer (o conglomerado que se tornada a Metro. Lembra a piadinha do asilo no começo deste post?).

Essencialmente falida, a UA ficou com as barbas de molho depois dos anos 90.

Em 1999, numa tentativa de ressuscitar a United Artists, Francis Ford Coppola ofereceu-se comprá-la, mas teve sua proposta rejeitada pela MGM. Conformou-se em assinar um contrato de produção com o estúdio, o que ajudou em seu reposicionamento como um "estúdio de especialidades", uma espécie de delicatessen cinematográfica.

Em 2005, Tom Cruise e sua parceira de produção Paula Wagner adquiriram 30% da UA, que foi renomeada United Artists Entertainment LLC, obtendo da controladora MGM a liberdade para produzir quatro filmes por ano.

Paula deixaria a UAE em 2008, não antes de trazer à telona sucessos como "Leões e Cordeiros" (Lions For Lambs) e "Operação Valquíria", ambos estrelados por Tom Cruise, tendo o último, apesar das críticas controversas, obtido uma arrecadação de 117 milhões de dólares por conta da audiência internacional.

Desde então a United Artists tem servido como mera co-produtora com a MGM, lançando recentemente filmes medíocres como o remake de "Fama" e "A Ressaca".

Um presente pálido, para um passado tão brilhante.

Foto: Griffith, Pickford, Chaplin (sentado) e Faribanks assinam o contrato de criação da United Artists, com a presença ao fundo dos advogados Albert Banzhaf (à esquerda) and Dennis F. O'Brien (à direita). Propriedade da Biblioteca do Congresso Norte-Americano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário