19 de jun. de 2013

A PRIMEIRA GALINHA QUE CANTA É A QUE BOTA O OVO


No meio da aula de ciências, o Pedrinho solta um pum.

Temendo ser alvo do bullying (pra usar um termo da hora), antes mesmo que o fedor se espalhasse, Pedrinho levanta, aponta o dedo e grita:

- FOI A MAGALI!!!

- O quê?!! - grita o resto da classe.

- O pum, vocês não estão sentindo??? - exclama Pedrinho ainda com o dedo em riste - A Magali deu um pum!

A classe explode em gargalhadas:

- Peidona! Peidona! Peidona!

Deu. Pronto. Por mais que falasse, que chorasse, que gritasse, que arrancasse os cabelos; nem trazer laudos médicos atestando que não comeu nem feijão, nem couve, nem repolho não só naquele dia, mas na semana inteira; livrou Magali da pecha de peidona.

Só foi pior: quanto mais Magali se esforçava para provar que não era uma peidona, mais gente se convencia que ela era.

- Cai fora, peidona! - desdenharam as meninas na hora do lanche.

- Aqui, peidona não senta! - provocaram os amigos entre os quais Magali sentava há meses na sala de aula.

- Não brinco com peidona. - argumentou sua melhor amiga dando as costas.

E daquele dia em diante, Magali ficou sozinha.

Mas isso não foi o pior: todas as outras crianças puderam dar puns à vontade; porque mesmo que o pum viesse lá do outro lado da sala, só podia ser culpa da Magali, "a peidona".

Num filme da Disney, Pedrinho um tempo depois estaria gritando por socorro porque seu fiel cãozinho Rex caíra num rio de águas perigosas. Do outro lado desse rio, Magali que estivera sozinha na floresta chorando suas mágoas, assistiria à cena, pularia na água arriscando a própria vida, salvaria Rex e no dia seguinte, em frente a toda a turma, Pedrinho confessaria ser ele o autor do famigerado pum, Magali viraria heroína e todos seriam felizes para sempre.

Mas como a vida está longe de ser um filme da Disney, Magali seguiu sendo alvo de todo o tipo de piadinhas e brincadeiras de mau gosto.

Como tudo que aprenderam com isso foi que todo mundo pode dar puns à vontade, desde que tenha uma Magali para culpar; os coleguinhas dela cresceram felizes e despreocupados: cada vez que alguma coisa parecia errada tudo que precisavam era que outro Pedrinho botasse a culpa em outra Magali.

Eventualmente cresceram, "ampliaram horizontes", como se diz; e cada um seguiu a sua vida mais ou menos independente dos demais. De acordo com seus talentos, capacidades e do quanto os pais puderam investir na sua educação, os coleguinhas da Magali se deram mais ou menos bem na vida.

O Pedrinho, por exemplo, virou político e foi parar em Brasília, onde segue dando puns e apontando Magalis. E tem até assessores especializados em descobrir qual melhor Magali para acusar, dependendo do fedor do pum. E como é simpático, fotografa bem e sempre tem aquele ar sério e honesto, todo mundo segue acreditando nele.

"E a Magali?", pergunta você.

Como não tinha amigos, a Magali se refugiou nos livros e nos estudos. Formou-se em Direito, fez mestrado, doutorado, pós-doutorado; escreveu dezenas de teses e outros tantos livros desses que quase ninguém lê. Para além disso, é voluntária em várias ONGs dedicando seu tempo livre a melhorar a vida das pessoas.

Outro dia ainda, por ocasião de um grande escândalo de desvio de verbas em que Pedrinho estaria implicado, os dois foram convidados a debater na tevê.

Foi quando ao vivo, e em rede nacional, logo depois das apresentações, o Pedrinho fez aquela cara séria que faz os fotógrafos dispararem seus flashes:

- Magali... Magali... Fomos colegas de escola, não? - e sem dar tempo para que Magali dissesse sim ou não, emendou - A peidona! Agora eu lembrei! Era assim que a gente chamava você na escola.

E dali em diante, ninguém mais quis saber do escândalo: todo mundo só falava dos puns da Magali.

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