26 de out. de 2012

QUESTÃO DE JUSTIÇA


Sempre que o juiz da aldeia se ausentava por algum motivo, o Mulla Hodja Nasreddin era chamado a substituí-lo. Foi numa dessas ocasiões que um caso difícil apresentou-se perante a corte. Tratava-se de um estalajadeiro movendo processo contra um mendigo:

- Ele permaneceu à porta do meu estabelecimento, Hodja, portanto roubou de mim.

- O que ele roubou? - perguntou Nasreddin.

- O cheiro da minha comida. - respondeu o estalajadeiro - Como não quer pagar, ele passa os dias rondando à porta da cozinha, enchendo-se gratuitamente das fragrâncias aromáticas da minha comida. Assim, eu labuto como um escravo de sol a sol para que ele se beneficie de graça.

Assentindo com a cabeça, Nasreddin inquire então o mendigo:

- É verdade?

- Sim, Hodja. - assente o mendigo - Sou muito miserável, mal consigo me manter com as esmolas que ganho. Mas não consigo resistir aos cheiros maravilhosos da cozinha da estalagem, então sempre que posso fico por ali absorvendo-os e imaginando a sensação de saborear tais iguarias.

- Quanto dinheiro você tem? - pergunta Nasraddin.

- Apenas uns poucos cobres, Mulla. - responde o mendigo.

- Entrega-mos. - exige Nasraddin.

O mendigo de pronto esvazia o conteúdo de seus bolsos. Ao ver as moedas trocando mãos, o estalajadeiro mal consegue disfarçar o sorriso de satisfação, e já ia mesmo estendendo a mão para recebê-las do Hodja, quando Nasraddin enfia as moedas num saco, ordenando:

- Estalajadeiro, quero agora que você me dê as costas e feche os olhos.

Intrigado, o estalajadeiro faz como ordenado e com os olhos bem fechados, ouve as moedas tilintando dentro do saco.

- Você ouve, estalajadeiro? - pergunta Nasraddin.

- Sim, eu ouço.

- Muito bem! O som das moedas é seu pagamento pelo cheiro da comida.

Sentenciou Nasraddin devolvendo as moedas ao mendigo.

(Foto: caravana de camelos pelo deserto do Sahara, próximo a Djanet, Algéria. Por Frans Lemmens - http://www.franslemmens.com)

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