31 de out. de 2012

PARA ALÉM DAS ABÓBORAS E BRUXAS


"Halloween" ou, para ser mais precisa "Hallowe'en" ou "All Hallow's Eve", designa a noite que precede ao "All Hallows' Day" ("ealra hālgena mæssedæg"), ou dia de todos os santos - denominação cujo primeiro registro histórico data de 1556 o que, em termos de Europa, é anteontem.

Mutos historiadores defendem que o conceito dessa festividade vem de uma fusão entre o festival romando dos mortos, chamado de "Parentalia" e o festival celta de "Samhain" ("summer's end" ou "final do verão"), que marcava o final do período de colheita e começo do inverno, a "parte escura" do ano, quando os rebanhos eram trazidos das pastagens de verão e grandes carneadas eram promovidas em preparação para o inverno.


Pode-se imaginar o impacto que essa carnificina produzia nas pessoas, já que tudo isso acontecia ali mesmo, no meio das aldeias, enchendo as vielas de sangue e vísceras.

Não à toa, Samhain era visto como um período em que a "porta" para o outro mundo se abria, permitindo que as almas dos mortos e outras entidades anímicas perambulassem entre os vivos. Tementes das consequências de cometer qualquer ofensa a um possível ancestral que desse com as caras por alí, as famílias organizavam banquetes cuidando que seus ancestrais mortos tivessem um lugar à mesa.

Porém (sempre tem um porém) não eram só as fadas e as vovozinhas que pegavam esse trem: espíritos malignos aproveitavam a ocasião para espalhar o mal entre os vivos. Alguém teve a brilhante idéia de sugerir que disfarçar-se de espírito seria uma forma eficiente de evitar ser o alvo das atenções desses seres malignos que ao passarem pela pessoa disfarçada a tomariam por um dos seus e seguiriam adiante procurando outra vítima.

Na falta das famigeradas abóboras, os celtas recorriam aos nabos, cuja fartura e dimensões (e porque não dizer o pouco apelo gastronômico e a própria tonalidade natural do tubérculo que se assemelha à pele de um defunto) permitiam seu desperdício na confecção de lanternas que além de "enfeitar" as fachadas eram usadas como cabeças em espantalhos (os ditos "Jack-O'-Lantern").

Imagine a trabalheira que dava escavar o nabo por dentro  entalhar nele uma careta de fantasma. Lá por volta do século XIX é que surgiu a idéia de substituir os nabos pelas abóboras que eram além de mais abundantes, muito mais fáceis de manusear.

Bom, já expliquei as fantasias e as abóboras. Onde é que entra o tal do "trick-or-treating"?

Mais uma vez, recorremos aos celtas, que costumavam enviar os meninos de porta em porta a pedir madeira para a fogueira de Samahain, sendo não raro recompensados com alguma guloseima pelo serviço prestado. Como todo mundo estava fantasiado de fantasma, inclusive os meninos, ao abrir a porta as pessoas não tinham como saber se era mesmo um menino ou um fantasma disfarçado de menino. Pelo sim, pelo não, melhor mesmo era dar uma guloseima para todos que batessem à porta.

Com a ocupação romana e consequente cristianização da maior parte da cultura pagã do Norte Europeu, o Samhain ganhou feições mais próximas à festa como hoje a conhecemos afinal. Embora toda a ocupação ou colonização seja definida pelos economistas como um sistema de espoliação onde o fluxo de riquezas se dá em um sentido único (da colônia para a matriz); em termos culturais isso não poderia estar mais distante da realidade, pois o que ocorre é a mútua assimilação que com a ação do tempo se consolida como uma fusão.

Para os romanos, por exemplo, já naquele tempo, a data era um híbrido entre a ancestral "Parentalia" e o conceito recém introduzido pelo catolicismo emergente do "Dia de Todos os Santos", dedicado à oração pelas almas de todos os mártires e santos, bem como pelos recém falecidos que porventura ainda não tivessem vingado cruzar or portões do Paraíso.

Comidas especiais eram preparadas, particularmente bolos (também conhecidos como "soul cakes"), e como se tratavam de romanos ao final das contas, os santos e falecidos não pareciam ver diferença alguma entre as orações feitas pelos ricos e as compradas dos pobres em troca desses bolos. (Não é à toa que foram eles que cunharam a expressão "fatta la legge, trovato l'imbroglio"). Logo, multidões de pobres e esfomeados costumavam se acotovelar à passagem dos ricos e às portas das mansões nessas datas para receber os bolinhos, que com o tempo foram ficando menores pra poder acomodar mais "orações".

Do encontro dessas duas tradições surgiu a crença de que na noite de todos os santos, os espíritos dos falecidos ganhavam uma última chance de promover sua vingança contra os desafetos que tinham em vida. Pelo sim, pelo não, todo mundo passou a se fantasiar. Vai que...

As festividades seguiram por toda a região hoje conhecida como Reino Unido até o movimento da Reforma que a baniu junto com vários ritos do catolicismo como o culto aos santos e a crença na remissão dos pecados  (incompatível com a noção de "predestinação" defendida por Calvino, que defendeu que em sua onipotência Deus predeterminara a danação eterna a uns e a salvação a outros). A festividade só persistiu em regiões da Escócia e da Irlanda.

Já nos estados Unidos, até meados do século XIX não há um registro sequer da celebração do Halloween, que só passou a ser celebrado depois de uma massiva imigração de irlandeses e escoceses que passaram a comemorá-lo em seus pequenos assentamentos sob a forte oposição dos poderosos e ricos puritanos da Nova Inglaterra.

Com o tempo, a festa foi ganhando simpatia de outras comunidades e se popularizando. O primeiro registro histórico de uma criança fantasiada pedindo guloseimas pelo bairro é uma notícia de um jornal em Kingston, Ontario datada de 1911. Há outro registro datado de 1915, mas o local é incerto. Em 1920 foi visto pela primeira vez em Chicago. Em 1934 o evento chegou a um periódico de circulação nacional e cartões temáticos já eram comuns. Atentas ao potencial negócio, indústrias de confecção como a Ben Cooper Inc. começaram a produção em massa de fantasias.

E pra provar que o resto é negócio, a indústria especializada em artefatos para o Halloween girou nada menos que 6,8 bilhões de dólares em 2011.

Não é à toa que a cada ano o Halloween emprega mais força para abrir mercado em terras tupiniquins que nunca sequer ouviram falar dos celtas. Meu palpite: em poucas décadas o Halloween vai riscar do mapa o dia de finados. Quem viver verá.

(foto: nabo entalhado, o Jack-'o-lantern original, confeccionado na Irlanda há muito, muito tempo atrás)

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