25 de nov. de 2012

ESTOU MELHOR EM CASA




Mais um verão se aproxima. Com ele vêm as festas de final de ano e, é claro, as viagens de férias.

Ontem falando com uma conhecida aqui na praça eu disse que não gostava de viajar. Ela me olhou como se eu fosse verde e tivesse antenas.

Bom, admito que exagerei um pouco: eu gosto de conhecer lugares, pessoas e culturas diferentes, o que eu odeio é a parte do "transporte e acomodações".

Senão, vejamos:

Transporte por via terrestre pelas estradas do Brasil, vamos combinar, já devia ser considerado "tentativa de suicídio assistido".

Imagine um cardume com 400 mil peixes de vários tamanhos: lambaris, carás, traíras, dourados, cações, golfinhos e baleias (tá bom, tá bom: golfinhos e baleias não são peixes, mas é só um exemplo, ok?). No meio disso tudo, você um lambari. Agora pegue essa peixarada toda e bote pra nadar junta num riachinho projetado para acomodar três traíras lado a lado, num fluxo de coisa de 60 traíras por minuto e que se estende por uma centena de quilômetros (que é a parte que recebe mais fluxo da freeway). O que acontece?

Quase metade desse cardume é composta de lambaris e carás como eu e você nadando alegremente dentro do limite de velocidade e determinados a chegar ao nosso destino sem sofrer um ataque de apoplexia.

Mas aí vêm as traíras grudando nas nossas nadadeiras e piscando faróis alucinadamente como se fossem o Fernando Alonso a quatro pontos do Sebastian Vettel na última corrida da temporada. Não raro, são seguidos pelos cações ziguezagueando pelas faixas em rachas ensandecidos.

E tem as baleias e golfinhos que conforme o humor do momento podem mostrar-se gentis e cuidadosos ou aniquilar você numa fração de segundo. Ah, é, eles também podem se distrair por uma fração de segundo e sua vida de lambari já era.

E tudo isso pra se acotovelar numa praia apinhada fedendo a cerveja, fritura, milho cozido e bronzeador, levar umas vinte quilhas de prancha de surfe pela testa e passar as noites em claro por conta do ruidoso vai-e--vem das selvagens tribos adolescentes órfãs de pais, mães e inteligência, perambulando pela noite até depois do amanhecer, indo a todos os lugares sem chegar a lugar algum.

Mas tem a opção do transporte aéreo, com uma oferta de destinos mais "sofisticados" - infelizmente a coisa meio que pára por aí, já que os "modais" (ai, que palavra chique!) aquático e ferroviário não são considerados "economicamente viáveis".

O périplo começa já no aeroporto - esse curral chique onde o gado comparece vestido com roupas de festa.

Primeiro, exigem que você se apresente algo entre uma ou duas horas antes para fazer o tal check-in, que é uma das coisas mais idiotas de que já ouvi falar, afinal, você já teve a iniciativa de comprar e pagar pela passagem, só precisa mesmo despachar as malas, se as tem: é claro que pretende pegar aquele voo, daquela companhia, naquele portão e na hora marcada, e, pelo bom senso, a moça não precisaria imprimir ainda outro bilhete de passagem, bastava entregar um ticket com o numero da sua bagagem. Mas não, como um penitente, é preciso que prove à sua santidade a companhia aérea que está firme em sua vontade desperdiçando horas numa fila interminável para receber a bênção da mocinha no balcão. E nada de perder as estribeiras nessas horas, senão você corre o risco de ser tratado como "passageiro hostil".

Mas, espere, ainda não está liberado para seguir viagem. Para garantir que não representa uma ameaça à segurança mundial, você precisa ser vistoriado, inspecionado, apalpado e liberado para o tíutlo provisório de "passageiro", que lhe confere o direito de calar a boca e esperar (sentar depende da disponibilidade de assentos na sala de embarque) até que o conduzam por um brete estreito ventre do frangalhão onde será devidamente estocado num compartimento de cerca de 80cm² onde de bico sempre fechado deve esperar "até a parada total desta aeronave".

Com sorte, horas depois de ter desistido de ir ao banheiro porque não consegue desgrudar o corpo do "passageiro" ao seu lado, recebe de prêmio um copo de refrigerante ou suco choco e uma barrinha de cereais que só vão servir para secar ainda mais a boca e fazer sua bexiga quase explodir de vez.

Você só vai voltar a saber o que é "respirar a plenos pulmões" quando, depois de muita dificuldade e pedidos de desculpas, finalmente conseguir desgrudar dos corpos dos demais "passageiros", e surpreso por ainda poder mexer as pernas, seguir por outro brete estreito até o saguão onde deverá (outra vez) esperar rezando dois Pai Nosso e três Ave Maria para que sua mala não tenha sido roubada.

Com sorte, depois desse périplo, tudo que o espera é o abraço caloroso de amigos e familiares e alguns dias realmente felizes e agradáveis em sua companhia.

Mas se o destino é um desses lugares que "todo mundo tem que conhecer" como, digamos, Paris, aí tem outra rosca.

Se usou o serviço de uma agência de turismo ou fez reserva antecipadamente, você desce do bendito avião, caminha quilômetros até um ponto de táxi, paga os olhos da cara, e depois de muitas voltas (e você jurando que já viu aquela esquina umas trocentas vezes) chega ao "aconchegante" hotelzinho onde tem reserva.

Se não fez reserva, e não se aventura a dormir numa praça ou embaixo de uma ponte, pode ir ficando no aeroporto mesmo: os hotéis estão SEMPRE lotados.

Mas digamos que fez, e com meses de antecedência. Isso não faz a menor diferença: o azedume em pessoa ergue as sobrancelhas quando você se aproxima da recepção do hotelzinho de três estrelas, estende uma ficha e um punhado de chaves, anunciando: le petit-déjeuner est servi à partir de sept à neuf heures et la salle de bain est dans le couloir - sim, é um banheiro por andar.

Isso foi uma boa acolhida: daqui para a frente, prepare-se para ser xingado (en français), desdenhado (en français), pisoteado (en français), empurrado (en français), ignorado (en français)enganado (en français) e roubado (en français), e não importa se o cara é argelino, marroquino, iraquiano ou francês mesmo - ils parlent tous français.

E é levado (toujour en français) a entrar na fila pra visitar todos os lugares onde todo o turista vai  para ser xingado (en français), desdenhado (en français), pisoteado (en français)empurrado (en français), ignorado (en français)enganado (en français) e roubado (en français).

Falei de Paris, mas podia ser Roma, Miami, Londres ou qualquer outro "destino" à sua escolha. Há exceções para confirmar a regra: em Tóquio e Nova Iorque você não precisa se preocupar muito em ser xingado, pisoteado, empurrado, enganado e roubado (desde que não pegue o metrô): lá todo mundo simplesmente se ignora.

A isso tudo, prefiro ficar em casa e viajar na música, nos livros e nos filmes que me dão muito, mas muito mais prazer.

(foto: fila de turistas em Versailles, por Anna Strumillo)

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